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Chego aí até às 8 h; Chego aí até as 8 h. Seria perceptível a diferença de redação entre um enunciado e outro?

É visível que há crase no primeiro, diferente do segundo.

O uso da crase não seria de fácil assimilação. Surge um diminuto obstáculo na escrita, que a fala não detecta. Uma dúvida, superposta, juntando-se à segunda, à terceira etc., torna-se um embaraço com algumas léguas de dor de cabeça. O ruim é quando os nós não se desatam, e os erros continuam.

Observando-se com a perspicácia do lince, que nota a presa ao longe, as duas frases, se faladas, não causariam dúvida; a sutileza está na escrita. Com ou sem crase?

O teimoso não se dá por vencido, e diria que uma ou outra fica no mesmo mané-luís ou que não entende nadica de nada.

Ambas as redações têm sido costumeiras, aparecem em textos jornalísticos cotidianos. Um redator vê de forma distinta e usa a crase; outro não a usa, por admitir que a linguagem teria outra dimensão?

A primeira, sob o prisma deste colunista, é indevida. Se já existe a preposição ‘até’, não cabe a companheira ‘a’, que, juntada ao artigo feminino plural que antecede ‘8 h’ (as), forma ‘às’.

Ou se usa uma, ou se usa outra. Qual a que daria maior clareza ao aspecto semântico do enunciado?

A crase nesse enunciado não condiz com a regra gramatical, por isso, Chego aí até as 8 horas. Não se usa Chego aí até ao meio-dia (mas… até o meio-dia).

‘Chego aí às 8 h’, horário previsto, não exatamente como o rigoroso andar do relógio suíço ou o honrado compromisso inglês, seria ‘às 8 h’ em ponto. Um pouco antes, um pouco depois, com a flexibilidade de o brasileiro não ser tão pontual.

‘Chego aí até as 8 h’, sem crase, forma também correta (sem que pense nisso), é que pode ser um pouco antes; no mais tardar, às 8 h.

O primeiro enunciado não esboça ‘até’; o segundo, sim.

Até tem espaço livre na linguagem, falada e escrita, em duas versões gramaticais: preposição, estabelece relação de limite, fim, ou extensão de um termo para outro, no espaço e no tempo, como diz o querido consultado, em suas páginas abertas para quem quer visitá-lo. A definição condiz com frases notórias: Foi a pé até o trabalho; sempre trabalha até tarde; comeu e bebeu até empaturrar-se; o utilitário suporta até uma tonelada; advérbio, traz a carga semântica de ainda, também, mesmo (de caráter inclusivo): Até você, tia, me chamando de beberrona?

E a famigerada frase de Júlio César a seu filho adotivo, que o traiu: “Até tu, Brutus?”, que alguns dissecam em vários significados, e a atiram contra inocentes. Em Latim tem duas versões: “Et tu, Brute?” “Tu quoque, Brute, fili mi?”.

Isso basta.

Puxando mais um galho da frondosa árvore, ou da árvore de fronde copiosa, o pior é quando o usuário, chamando a si todos os protetores, diz ‘Chego aí em até às 8 h’, cuja redação assusta muito.

Por que três preposições: em, até, a? Para que tanto tempero no mesmo quitute? Qualquer titã ficaria estupefato com tal elasticidade? Serviu para melhor clareza da mensagem? Foi uma ênfase necessária?

Esse vício tem sido destaque no marketing: Pague no cartão em até 24 vezes.

Pague em 24 vezes, o número de parcelas escolhido. Pague até 24 vezes, é que o cidadão escolhe de duas até 24. Nada mais. A outra visão não explica coisa com coisa.

Se duas preposições (até, a) já sobrecarregam a semântica, três são pura parafernália.

Lembre-se de que não se trata de locução prepositiva, como Estou a favor de você, Tudo ficou abaixo do esperado, O carro foi estacionado em frente de um posto de gasolina.

O conteúdo de uma mensagem costuma usar ‘contra, perante, com’ de forma preciosa, bem explícita e correta: Ele lutou contra todos. Perante Deus, nada somos. Bateu com o martelo em sua cabeça.

Não fica adequado o redator dar uma guinalda soberba: Perante a Deus, o mundo é um pingo d’água.

Perante é o mesmo que ante, diante de. ‘Perante’ e ‘a’, ao mesmo tempo, não se encaixam.

Façamos por parte: Perante Deus, o mundo é pequeno. Ante Deus, o mundo é diminuto.

A preposição ‘a’, nesse aspecto, não substitui ‘perante’ nem ‘ante’, e associada a uma delas não cabe.

Chega-se a encontrar ‘contra à’: Ele lutou contra às pessoas e venceu a todas. (Não há crase.)

Ainda, complementando o momento, as preposições, em torno de 16 (17), são essenciais, as que são sempre preposições: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em, entre, para, perante, por, sem, sob, sobre, trás.

Aquelas que fazem as vezes dessas são acidentais, isto é, são outros vocábulos que podem fazer o papel de preposições em alguns momentos: afora, conforme, consoante, durante, exceto, fora, mediante, não obstante, salvo, segundo, senão, tirante, visto etc.

Algumas frases: Falou com sua mãe há pouco. Referiu-se a seu maior amigo. Preposições essenciais.

Afora o que disse sobre seus pais, tudo o mais é pura mentira. Consoante o que disse, você é grandessíssimo enganador. Preposições acidentais.

Complementemos um pouco o papo.

Admirador dos regionalismos, eles nos trazem muita informação cultural.

Pessoa abilolada é aquela que não tem noção das coisas, a que chamam de ‘demente’. Seria usual a grafia ‘bilolada’, em que há aférese (a perda do fonema inicial).

Esse linguajar costuma ser utilizado pelo camponês autêntico, cuja fala não tem maldades nem sentido pejorativo.

No Ceará, biroba é a égua velha; no Nordeste, biloba é o bilau, isto é, a bimba, a rola, o órgão masculino infantil. Enquanto o menino não cresce, ele não tem pênis, mas bimba.

Birosca, em quase todo o Brasil, é armazém onde se vendem mercadorias de primeira necessidade; na tradição, que ainda vive, anota-se na caderneta para o pagamento na época da boa safra. Agora, talvez, no dia do pagamento da ‘aposentadura’ (do pensionista) pela Previdência Social.

Bilosca, com a leve mudança de consoante gutural para bilabial, é gude, gasta, de tanto rolar, ou nova. A notícia ruim é que hoje, muito pouco, meninos jogam ‘a bolinha de vidro’, jogo sincero e educativo; gude existe, mas para enfeite.

O ‘cangote’, ou pé do pescoço, que seria região erótica, é chamado também ‘cogote’. A questão é que o menino levou um safanão no cangote  (e foi parar no hospital). Assim, não.

O cidadão letrado dá-se mal quando diz “Se ele querer, eu faço o negócio.” Mas se o uso se dá com aquele que não foi à escola, a autenticidade vale um milhão de Euros: ‘Cumpade, se o senhor querer, pode ir com nós até lá, que não lhe cobramos nada.”

Isso é grandioso, e temos que respeitar.

Volte aqui amanhã. Obrigado.

 

João Carlos de Oliveira

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