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“Ele teria dito que gostaria de ‘enformar’ seu pai sobre o acontecido”. Enformar ou informar?

Não nos assustemos: nossa pronúncia varia com o sotaque de cada meio, eis que o linguajar brasileiro, jamais, seria uniforme; não tem o mesmo padrão ortoépico ou prosódico. Cada região tem sua peculiaridade.

Perda de tempo comentar que fulano fala diferente de outrem, citando-se Estados-membro em que essa diferença é mais perceptível. A pronúncia do R, de fato, em algumas regiões, se evidencia, a que alguns chamam de ‘sotaque caipira’, ‘linguajar de caboclo’, mas sem espanto, e não se deve concordar com todas as denominações a qualquer custo.

Deixemos que as diferenças sejam reais, sem interferência, assim como se escolhe uma roupa, um tipo de comida; como se diz, ‘cada um tem seu gosto’. Quanto à linguagem, cada um tem seu estilo, e todos devem ser aceitos, sem tom pejorativo.

Observado o verbo do título, a noção é a de que nosso ‘i‘ pode transformar-se em ‘e‘, respaldada pelo modo de se falar, e variados seriam os exemplos. Cabe-nos estudá-los, vê-los como características dos falantes das regiões diversas em que se divide a Nação.

É bom que assim seja. A suposta uniformidade no falar não nos dá ‘presentes’, não enriqueceria nossa linguagem, não seria típica de um povo múltiplo, do qual fazem parte três etnias: a indígena, a negra e a branca, com suas ligeiras ‘subetnias’, se é que a Sociologia e a Antropologia as admitem. A parda, a cabocla, a cafuza; toda a miscigenação que nos envolve. O que influenciaria o modo de falar seria o nível cultural, associado aos costumes.

Enformar é colocar na fôrma, derivado parassintético, como enforcar, enforjar, enfornar. Informar, do Latim informare, é dizer o fato havido, fazer saber, comunicar, avisar, contar etc.

As grafias são distintas, mas a pronúncia traz um quê regionalista, viés dos falares regionais.

E não se pode, exatamente, discriminar o iletrado do escolarizado. Isso não importa. De repente, até de forma involuntária, surge um ‘encomodar’ alguém, e ele nem está ‘incomodado’. ‘Encomenda-se’ um pacote de biscoitos!

Esses falares, ou dizeres, cercam-nos continuamente.

Que tal lembrar que a grafia ‘viado‘ não seria variante gráfica registrada na Gramática. Não a encontramos comparativamente da mesma forma que existem cota e quota. O registro é ‘veado’, daí veadagem, mas o popular falado pende para ‘viado’, ‘viadagem’, em se pensando que estariam assim registradas no dicionário, por isso, muitos a usam sem perceber.

O e se torna i, e vice-versa.

De um instante para outro, num piscar de olhos, encontra-se a dúvida entre emigrar e imigrar, parônimos usuais e corretos. O primeiro vem de ‘ex’ e ‘migrar’; juntos, formam ‘emigrar‘, uma vez que nossa regra excluiu o x, por questão de pronúncia. Do outro lado, imigrar nasce de ‘in’ e ‘migrar’; juntos, formam ‘imigrar‘. Nesse momento, sabemos que nosso registro ortográfico não permite ‘inmigrar’, motivo por que o ‘n‘ sai de órbita. Lembre irreal, irrestrito.

O conjunto de vocábulos dessa família etimológica, ou cognatos, é que precisa de atenção: migrante, migração, emigrante, imigrante, emigração, imigração etc.

Alguém poderia questionar: intendente ou entendente? Ambos, se admitimos o segundo como neologismo, com a conotação similar à de entendido. O intendente, aquele encarregado de administrar negócios alheios, o patrimônio de uma coletividade. O chefe de governo do Município brasileiro, o atual prefeito, era o intendente, com alto poder. Entender, como se sabe, é o que admitimos que seja perceber, notar, e daí o entendimento para nossas boas relações humanas. O bem entendido abre todas as portas. Nossa pronúncia, num Português com açúcar de Norte a Sul, difere pouco de um usuário para outro. Basta que olhemos com olhos mais aguçados, ou melhor, que escutemos com ouvidos mais atentos.

Não confunda, jamais, o descente, que desce, com o discente (aluno), e daí amplie sua visão até alcançar o lado semântico de ‘decente’.

O distinto é o diferente, um homem distinto (decente, nobre, típico de um agir reto); o destinto, o que perdeu a cor, que se tornou desbotado.

A pronúncia insegura é que faz o cidadão cometer a gafe. Nem sempre o que se fala é o que se escreve.

Não há razão para se condenar a variante fonológica ‘previlégio’, erro de grafia, é certo, mas pronunciada à vontade por aí.

O tão famigerado ‘penico’, do Espanhol perico, torna-se ‘pinico’, o urinol, peça de família quando não se tinha banheiro interno em muitas residências. Tinha-se a latrina, mas do lado de fora. À noite, não seria bom ir até lá, por isso, esse ‘trono’, nome dado àquele que crianças usam quando aprendem a fazer suas necessidades fisiológicas de forma voluntária.

Nesse falar, um beliscão é o ato de pinicar, que pode tornar-se penicar. Cidade há em que um local serve de despejo para dejetos, e, de tantos mosquitos nascerem nesse criadouro, passa a se chamar Pinicão.

Um texto trazia matéria sobre o ‘entorno’ de uma cidade, a chamada conurbação, que abrange uma região metropolitana, mas o redator teve a displicência de registrar ‘em torno’, como se quisesse dizer ‘o debate gira em torno da violência que nos circunda’. O entorno de e em torno de, diferentes são, porém, fáceis de serem confundidos.

“Vamos devagar”, frase corriqueira no nosso dia a dia. Só que pouco notamos que a pronúncia marcante é ‘divagar‘, e não seria o verbo que significa ‘vagar, estar com pensamento vago, vaguear, delirar’.

Devagar, portanto, advérbio, vagarosamente, com vagar, lentamente, sem pressa, devagarinho, como quer a música espetacular de Martinho da Vila. Tem sua escrita oficial, mas a pronúncia popular diferente, mesmo que se discorde.

O que nos assusta é aquele que confunde ‘pretensão’, a boa grafia, daí pretensioso, pretensiosamente, com ‘pretenção’, que não existe, e costuma grafar ‘pretenciosamente’, por parecer mais charmoso.

Uma vez que se tenha falado em prosódia, a forma de se ver qual a sílaba tônica do vocábulo, lembremos: Nobel, oxítona; rubrica, paroxítona; abóbada, proparoxítona, podemos dizer que seria possível se pensar em acento gráfico para ‘mascavo’, como proparoxítona, assim como há másculo? Alguns pensam que sim, razão por que não é incomum encontrar-se ‘máscavo’, da mesma forma que se usa ‘melância’, grafia incorreta, mas pronunciada como manda a regra.

Incrível esse comportamento. Escreve-se errado, mas fala-se certo. Temos um viés fonológico-gramatical curioso.

A pronúncia ideal, conforme a Gramática, é libido, paroxítona, mas a forte, de uns, diz ‘bido’, proparoxítona, e outros preferem grafar ‘pérpetuo’. Por que isso? Porque nossa regionalidade não segue a mesma linha diametral.

Pementa‘ nos olhos dos outros é refresco.

Um abraço. Até a próxima.

 

João Carlos de Oliveira

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