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“Logo vai romper”, diz a manchete sobre o talude da barragem da Vale em Barão de Cocais. E se tivesse sido “Logo, vai romper”?

Uma vírgula pode fazer diferença.

A vírgula, representada por um sinal gráfico (,), para indicar a menor pausa na leitura, tem ‘vivido’ momentos de dúvida. Muitas vezes, falta; entretanto, o mais comum é ser usada a mais, uma ou várias vezes, e, justamente, em local inadequado.

O bom observador percebe muitos lapsos quanto ao uso dessa ‘peça’ importante, com a função de coordenar os vocábulos para que o texto tenha sentido. Não pode haver um amontoado de palavras, simplesmente, soltas, uma atrás da outra, sem sequência ou coesão. Seria a torre de Babel em que vocábulos não se concatenam, razão por que não formariam enunciados com seu fim maior: comunicar.

Diz o dicionário que a palavra vírgula, nascida do étimo latino virgula, ‘pequena vara’, cuja pronúncia é proparoxítona (embora sem acento gráfico), é um sinal de pontuação (,) que marca uma pausa e serve para separar ou isolar palavras, grupos de palavras ou orações.

No título, a manchete (sem vírgula), redação correta, insinua que, em curto tempo, o talude vai romper, conforme o artigo. Estaria se deslocando cerca de 20 cm por dia (isso há cerca de uma semana).

Interessante a frase, curta, mas incisiva, dando seu recado magistral: ‘Logo’, como um sobreaviso, o rompimento vai ser uma ‘bomba’ destruidora. Até o momento toda a população de Barão de Cocais, MG, está em polvorosa, e o medo se mantém, haja vista o desastre em Brumadinho.

Tomara, entretanto, que nada venha a acontecer.

Se tivesse sido usada uma vírgula (Logo, vai romper), alteraria o sentido do texto, seu aspecto semântico seria outro?

Seria e não seria.

Não iria interromper o possível rompimento. A vírgula, nesse caso, pressupõe que, em virtude de vários fatores (e poderiam ter sido mostrados), o fato aconteceria como consequência. ‘Portanto, por conseguinte’, seria inevitável como fato conclusivo.

Está apressado: ‘Logo chegará.’

E tendo ido de carro: ‘Logo, chegará mais cedo.’ Portanto, por conseguinte.

Advérbio de tempo, ‘logo’, sem vírgula, tem uma mensagem; com vírgula, outra. Em futuro próximo: Logo ficará rico. Como conclusão: Não estudou a matéria; logo, será reprovado.

No enunciado em que esteja posposto, “Vá logo”, significa ‘imediatamente, já’. No enunciado em que esteja anteposto, “Logo, será aprovado (porque estudou muito)”, significa ‘por conclusão’

“Ele disse que há urgência.” O outro responde: “Logo, é bom que vá depressa”.

A vírgula pode ser poética: “Na rua, o povo”, isto é, há gente na rua. Marca a elipse da forma verbal ‘há’, em linguagem culta.

Frase normal sem ela: “Ele não virá”, que caracteriza a forma afirmativa de que fulano não vai aparecer. E capciosa: “Não, ele virá”, o oposto em que fulano vai comparecer.

Texto com tríplice redação por questão de estilo: 1. Seu Pedro mora nesta casa há muitos anos (sem vírgula). 2. Há muitos anos, seu Pedro mora nesta casa (a vírgula em virtude de o adjunto adverbial ter sido anteposto). 3. Seu Pedro, há muitos anos, mora nesta casa (duas vírgulas porque o adjunto adverbial está intercalado).

Jornais há que redigem de forma generalizada, mas pode haver diferença. ‘O engenheiro Manuetto e a esposa Rositta em noite de autógrafos no Salão Nobre da Escola Esplanada’ (nomes fictícios), redação que fere o princípio legal da monogamia, como pressupõe nosso Código Civil. Como está, Rositta seria uma de suas várias esposas.

Deveria ter sido: ‘O engenheiro Manuetto e a esposa, dona Rositta, em noite de autógrafos no Salão Nobre da Escola Esplanada’, redação que justifica nosso dever de monogamia, ficando em destaque o nome de sua (única) esposa.

Jornais não têm feito essa distinção. A ausência de vírgulas em outros textos tem dado brecha para o viés do duplo sentido, chamado dúbio, o que favorece recursos por alguém que foi prejudicado em ação. O grande rol de ações criminais tem revelado essa dubiedade.

Em história de família, a ausência da vírgula pode gerar dúvidas, e o curioso é que poucos percebem a diferença. ‘Viajavam no veículo o senhor Addebaldo e seu filho Jovellito quando aconteceu o acidente’. Essa redação (sem vírgula) indica que Jovellito não é filho único.

‘Viajavam no veículo o senhor Addebaldo e seu filho, Jovellito, quando aconteceu o acidente (em que ambos vieram a óbito)’. Essa redação indica que o senhor Addebaldo tinha somente um filho, Jovellito.

A literatura popular tem muitos ‘causos’ sobre o uso da vírgula.

“Não alterar nem uma vírgula”, isto é, manter o original do texto. Fica claro que nem se trata do uso do pronome indefinido ‘nenhuma’.

Estas duas se distinguem claramente: “Não venha!”, para não comparecer. “Não, venha!”, justamente, o contrário, pedindo a alguém para comparecer.

Frases comuns: ‘Joenna e seu filho Jucinnanddo estavam felizes na festa’. Ela tem outros filhos.

‘Joenna e seu filho, o jovem Jucinnanddo, estavam felizes na festa’. Ele é filho único.

A questão é que nem sempre diferenciam esses aspectos, e os textos se dão de forma contrária. Espera-se que o leitor saiba dessas nuanças.

Redações diferentes que dizem a mesma coisa. 1. O Presidente Jair Bolsonaro visitou o Nordeste. 2. O Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, visitou o Nordeste. 3. Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro visitou o Nordeste (na semana passada). Ou esta: A fala de Jair Bolsonaro, o Presidente da República Federativa do Brasil, tem causado muita polêmica.

A propósito, grande maioria de jornais, quando registram acidentes com morte, dizem ‘vítima fatal’. Assim, a vítima teria matado a si mesma. O acidente é que foi ‘fatal’, levando alguém a óbito; a pessoa foi vítima de morte, e poderia ter sido, apenas, vítima de lesões leves, graves ou gravíssimas. Por isso, diz-se ‘injeção letal’, que mata.

Jornais têm divulgado frases com redação parecida: ” (…) identificado como sendo, Riobaldo Miranda” (nome fictício). A vírgula é desnecessária. O criminoso foi identificado como sendo ‘Riobaldo Miranda’ (escreveria o redator).

“A Prefeitura Municipal de Rio dos Coqueiros (MG), comunica ao povo em geral, que não haverá expediente no dia 21 de abril do corrente ano, por ser feriado nacional”.

A primeira vírgula é, claramente, incorreta, por estar entre o sujeito e o verbo. Após ‘ao povo em geral’ só caberia vírgula se houvesse sido usada outra antes, para que o termo ficasse intercalado: comunica, ao povo em geral, que não haverá expediente. Poderia ser: comunica ao povo em geral que não haverá expediente. A última vírgula é facultativa.

Vamos falar mais em breve.

 

João Carlos de Oliveira

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