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“Eu ‘tive’ na sua casa ontem” (sic), disse ele. Qual a forma verbal adequada para essa semântica: ‘tive’ ou ‘estive’?

A conjugação de verbos, em especial, de irregulares, sempre, deixa dúvidas; além disso, a forma culta (a exigida pela Gramática), muitas vezes, é substituída por uma de uso costumeiro na linguagem coloquial. Nesse caso, a forma popular pode prevalecer.

O verbo estar é um deles; é muito usada popularmente a expressão ‘eu tava, forma que ocupa o lugar da culta, e os especialistas em linguagem consideram-na, naturalmente, uma variante dos nossos falares.

Em se tratando, apenas, de uma substituição consciente, em que ‘tava’ figura como ‘estava’, ‘tive’ como ‘estive’ etc., nenhum problema se vislumbra. São alternativas que não desmerecem o uso do idioma no dia a dia. Mas… se o usuário considera que seriam flexões aprendidas nos bancos escolares, o engano não é bem-vindo.

Há aquele que admite: “Pensei que ‘era’ a forma certa”.

Paralelamente, tem-se a tradicional vivência de se usar o pretérito imperfeito do indicativo (eu comprava) como se fosse o futuro do pretérito do indicativo (eu compraria).

“Se eu tivesse dinheiro, eu ‘comprava‘ um avião a jato”, dizia o utópico cidadão (para ostentar poder econômico). E lá se vão outros exemplos de momentos informais (isso é certo): “Se eu fosse você, eu ‘mandava’ esse cara à merda”. “Se eu ganhasse na loteria, eu ‘ia’ viajar por todos os países”.

Como esse usuário iria perceber essa troca?

O conectivo ‘se’, que denota hipótese, condição, por isso, conjunção subordinativa adverbial condicional, exige que o verbo da oração principal, destacando essa conjectura, esteja no futuro do pretérito, e não no passado imperfeito. Ambos os tempos, no modo indicativo.

Essa troca se dá em muitos casos, na maioria das vezes, na linguagem falada.

Se pudesse, eu ia a Londres (iria). Se eu fosse ele, mandava o cara ir para as cucuias (mandaria). Se ganhasse na loteria, eu comprava um apartamento e um carro de luxo (compraria).

Essa linguagem peculiar, certamente, vem da tradição aprendida no seio familiar, pelo motivo de o falante, nesse contexto, ficar despreocupado. Para que, na vivência entre pessoas do mesmo lar, a exigência de regras gramaticais, muitas vezes, castrenses?

“Eu ‘tava‘ lá com ele”, linguagem cotidiana, sem vexames, por ser própria do falar corriqueiro e informal, sem as regras maçantes do teor gramatical. Linguajar ‘natural’ nos barezinhos da vida, nos bate-papos etc., sempre ‘aconchegante’.

Não poderia ser ao contrário.

De um lado, é bom por ser descontraída. O que se espera, no lado oposto do ‘himalaia’, no momento formal e solene, é que a redação siga o discurso próprio do evento: uma formatura, uma tese, uma defesa do direito do cidadão etc.

Não parece bom caminho que esse desvio gramatical, embora, nem salutar nem horripilante, ou que essa variante da linguagem, substitua a norma culta num editorial, por exemplo; no site do especialista que analisa costumes, nos vieses da política… assim, por diante. Cada olhar tem seu valor ético, linguístico, jornalístico, e outros.

O verbo é que se faz maroto e deixa o fulano atônito: ‘certo, errado’?, pensaria.

“Vá lá, seja como for possível, desde que me entendam”, e vai, mas os disparates surgem.

Por isso…

“Eles tem…” no lugar de ‘eles têm…’

Por isso…

“Se ele fazer…” no lugar de ‘se ele fizer…’

Por isso…

“Se eu vim amanhã…” no lugar de ‘se eu vier amanhã…’

Por isso…

“Se ele vim…” no lugar de “se ele vier…”.

Por isso…

“Se ela ver Pedro, avise que…” no lugar de ‘se ela vir Pedro, avise que…’

Por isso…

“Ele intermedia o caso…” no lugar de ‘ele intermedeia o caso…’

Por isso…

“Já deteram o ladrão na Alfândega…” no lugar de ‘já detiveram o ladrão na Alfândega…’

Por isso…

“Ele interviu sem ser chamado…” no lugar de ‘ele interveio sem ser chamado…’

(‘Interviu’ existe, ou existiria, no caso de ter valor semântico equivalente a ‘ele entreviu pura falsidade nos olhares estranhos do depoente; ele estaria mentindo.’)

E mais, e mais. O leitor, certamente, saberá relacionar os exemplos em que formas verbais são confundidas com outras.

Além de estar, ter, ver, vir, pôr, e outros, engrossam esse ‘caldo’.

Se é muito usada a forma ‘tava‘ no lugar de ‘estava‘, que não se trata da liberdade de o poeta usar ‘stava‘, o uso popular teria recebido o aval dos poetas? Nosso majestoso Castro Alves usou ‘Stamos em pleno mar… (in O Navio Negreiro). Por isso, usamos ‘tamos nessa, cara‘?

A licença poética teria incentivado o popular ‘tava’? (Eu ‘tava’ lá com ele.) (Eu ‘tive’ em sua casa.)

Sempre, a luta entre o popular e o culto, e cada um vê os parâmetros de sua forma. Importante, por outro lado, que a linguagem boa e ‘adequada’ para cada momento se mantenha.

Isso basta para que o visitante faça as devidas comparações e avalie seu modo de falar e escrever.

Para fechar, completemos o ‘mundo de hoje’ com estes fatos:

Estou relendo A Volta ao Mundo em 80 Dias, de Júlio Verne, o francês, cujo nome de batismo é Jules Gabriel Verne, nascido em Nantes, na França, em 1828.

A tradução é segura, senão boa. O tradutor, no entanto, por alguma dúvida, redigiu “De modo geral, Phileas Fogg foi ‘taxado’ de maníaco e louco, e seus colegas do Reform Club foram culpabilizados…” (sic).

Este comentarista não quer a uniformidade da linguagem, por isso, sua diversificação é essencial, mas taxar é ‘determinar uma alíquota’ para produtos, e tachar, ‘caracterizar pessoas’, razão por que a frase citada precisaria ser revista. Analisemos estas: A mercadoria foi taxada na Alfândega em 15 %. O cidadão foi tachado como usurário e egocêntrico.

Há diferença entre o aspecto semântico de cada verbo? E muita. O norte é admitir que taxar não seja usado para pessoas e costumes, e tachar, ao contrário, para mercadorias, produtos e similares.

Não é conveniente que taxado e tachado sejam usados indistintamente. Deve ser clara sua semântica. Seriam cabíveis ‘A mercadoria foi tachada’? ‘Ele foi taxado‘? Essa troca implicaria estrambótica discrepância de significado.

Fica, ainda, o registro de uma frase emblemática dessa obra: “Os passaportes só servem para incomodar as pessoas honestas e facilitar a fuga dos pilantras”.

Por esse prisma, nenhum tipo de passaporte deveria existir. O honesto teria o direito de ir e vir em qualquer nação; livre, sem ser incomodado. O pilantra, investigado e descoberto seu álibi, seria preso e deportado.

Nada mais.

Volte amanhã, pois sua visita é vital para cada artigo, e pode ser útil a você.

 

João Carlos de Oliveira

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