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“A tripulação estava ‘desconsertada’ (…)” (sic), escreveu um analista sobre situação inusitada num voo comercial

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Desconsertada ou desconcertada?

Os termos existem, mas têm semântica diversa, haja vista a grafia e a raiz de cada um: corretamente, o primeiro se origina de ‘desconsertar’, e o segundo, de ‘desconcertar’.

A grafia é determinada pelo significado, e o significado leva à grafia correta.

Um sapato velho pode estar desconsertado, assim como o motor de um veículo; ambos precisariam de conserto.

Uma pessoa, após ofendida ou ser vítima de chacota, pode ficar desconcertada, o que equivaleria a ficar sem jeito, desnorteada, desconcentrada.

Muito usada a expressão ‘No concerto das Nações’, que seria ‘a ordem’ entre todas elas, no mesmo contexto da boa vizinhança e da Paz.

O adjetivo desconcertante, da mesma família etimológica de concerto, desconcertar etc., dá o tom do que seja desconcertado. O mundo desconcertado, em especial no momento hodierno, pode ser um barril de pólvora, e sua explosão causaria danos gerais.

Guerras mundiais são exemplo de Nações desagregadas entre si, cuja soberania se torna vulnerável, e quem recebe o prêmio funesto e horrendo que uma guerra traz é a população civil.

A perseguição aos judeus na II Guerra Mundial é algo irreparável.

Textos magistrais, que tratam do comportamento humano, costumam usar frases que seriam similares a esta: “É desconcertante um Governante primar pela política que não vise ao bem-estar da população”, como tem acontecido na malversação do dinheiro público. Crônicas sadias, de alto nível redacional e crítico, primam por mostrar esse prisma horripilante.

Tomado, corretamente, o significado da frase-título, a tripulação da aeronave não estaria ‘desconsertada’, já que não busca um ‘reparo’, o ‘conserto’ de algum erro. Atônita, sem o norte de como proceder, estaria ‘desconcertada’, razão por que passa por momento difícil, sem uma ‘janela’ para ver o Horizonte e guiar-se no espaço sideral. O sideral é o próprio lado psicológico, que pode abater os ânimos, sem aquela forma salutar de agir, sem poder buscar a alternativa viável para a solução do impasse.

A linguagem desse analista está longe da visão de um redator experiente , por isso, certamente, teve dúvida no uso dos dois homônimos. Como consequência, o ledo engano ficou instalado.

Entretanto, o viés da dúvida é bom para que aprendamos mais, pelo menos, um pouco.

A topada nos conduz a ficar espertos. Não se aprende sem antes acontecer um lapso.

Na segunda passagem pelo mesmo caminho, o ‘toco’ (invisível?) seria evitado.

Quando pequeno, costumava bater pregos de forma estabanada, e quem saía doendo era o polegar esquerdo, que nada tinha a ver com a martelada. Aprende-se a bater pregos depois de um machucado dolorido, que cria calo de sangue, no mínimo.

A melhor forma é fazermos o paralelo entre um termo e outro.

Desconsertado, adjetivo ou particípio passado do verbo desconsertar,  é o mesmo que ‘desconjuntado’. Poderia ser ‘roto’? E dilacerado? Vem à mente um objeto que não foi consertado, e precisa ser.

Já desconcertado (talvez, menos usado), como vimos, da família de concerto, traz a ideia da falta de harmonia, coesão, concentração etc. O que perdeu a concentração, e precisa ser conectado. Sem isso, a desarmonia se aloja.

O dicionário traz explicações claras dos respectivos verbos. Desconcertar (perturbar, atrapalhar, desorientar). O sarcasmo o desconcertou. O substantivo desconcerto estampa a cor multifacetada do desarranjo, da desordem, da desarmonia, do desacordo. Desconsertar (estragar, desconjuntar). O mau uso desconserta qualquer aparelho.

Dessas definições, conclui-se que ‘desconcertado’ equivale a descomposto, desconchavado. No aspecto popular, alguém ‘desconcertado’ estaria envergonhado, sem saída, sem saber o que dizer. Fato desconcertador é o que aborrece e fere a autoestima de alguém. Chamar alguém de ‘pançudo’, se não tem intimidade ou não se é afim dessa pessoa, é pejorativo. O médico sensato não diria que o menino está com sarna, da mais pegajosa possível; primando pela linguagem técnica, enseja que o garoto precisa ser medicado porque está com escabiose.

Desconcertante é uma autoridade deixar de atender alguém porque é pobre ou está descalço.

Desconsertado tem o sentido de ‘impróprio para a serventia’. Desconsertou o brinquedo ao tentar abri-lo. Agora, não serve mais. O mau uso contínuo desconserta o micro-ondas. Os solavancos desconsertaram a mobília, que não era de madeira maciça.

Isso basta.

Pulemos para o outro lado dos Alpes, que pedem socorro, como a nossa onça-pintada, que está sendo dizimada, a capricho de alguns desavisados. Os animais de uma fauna mantêm o controle do meio-ambiente. Sem eles, a própria fauna, como a flora, se dizimam.

Aposte onde estiver ou aposte de onde estiver?

A primeira, com a conotação de que se pode efetuar o jogo onde o apostador está, sem ir até a Casa Lotérica, seria melhor.

Os beligerantes teriam chegado às vias de fato. Após essa afirmação, não se precisa dizer que entraram em luta corporal. A primeira expressão é explícita: ir às vias de fato é brigar, momento em que se engalfinham, atingindo um ao outro com socos e/ou pontapés.

Como esquecem o acento, ou não sabem em que sílaba ser usado!

Sorvete de coco, e lá vai o indelicado: sorvete de cocô (em cartaz numa pastelaria).

Antes, a palavra coco levava o circunflexo para diferenciar de ‘coco’, som aberto, radical usado em estafilococos, gonococos, pneumococos…

O acento diacrítico saiu, mas a pronúncia permanece: o coco, som fechado; radical coco, som aberto.

O documento técnico de uma prefeitura que libera o direito de o proprietário ocupar um imóvel recém-construído chama-se Habite-se. Qual o plural correto? Certamente, os Habite-se. Torna-se um termo invariável, evidentemente.

Não faz jus a uma boa linguagem o artigo que diz “A prefeitura deixou de dar os ‘habites’ do conjunto habitacional.” Essa grafia não é aconselhável, por parecer a forma verbal de habitar: que tu habites.

Habite-se, literalmente, ‘ocupe-se’ o imóvel; por extensão, o aval, a concessão ou permissão para que o imóvel seja ocupado.

Super salário?, não. Mas supersalário, assim como supersônico, supersensível (supercílio).

Brincadeira de ‘mal’ gosto. Isso é horripilante. Mal não combina com gosto. Mau gosto opõe-se a bom gosto; mau momento a bom momento; mau sujeito a bom sujeito; mau motorista a bom motorista; mau político a bom político.

“Se alguém reconhecer o acusado, e saber de seu paradeiro, entre em contato conosco.” Reconhecer, verbo regular, não altera o radical, mas saber, sim, por ser irregular. Se reconhecer… e souber.

Ainda se ouve se ele ir, se ele fazer, se ele poder ir.

O futuro do subjuntivo de verbos irregulares ainda sofre muito.

E qual o motivo de haver quando ou se precedendo essa forma verbal?

Se explicita dúvida. Se for, se puder, se der certo. Uma hipótese.

Apesar de esse tempo ser uma conjectura, isto é, não é certeza, quando explicita tempo. Quando eu for, quando der certo, quando puder. Se for: não há certeza de que vai. Quando for: vai, só não sabe o dia e hora certos.

Não se vê com bons olhos ‘estar com os documentos em mãos’. Estar com os documentos em mão, isto é, em disponibilidade, não exatamente nas mãos.

Não vou abrir mão de meus direitos. Abrir mãos seria abrir as mãos?

 

 

João Carlos de Oliveira

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