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Qual o plural de azulzinho: azulzinhos ou azuizinhos? Azuzinhos teria lógica?

Assunto pouco comentado tanto na Gramática como na prática, o plural de diminutivos terminados com os sufixos -zinho e -zito tem criado certa celeuma, haja vista que, na dúvida, preferem-se as formas azulzinhos, florzinhas e barzinhos no lugar de azuizinhos, florezinhas e barezinhos, respectivamente, como impõe a regra, e outros que nem sempre são vistos, mostrados ou analisados.

O que diz a Gramática Normativa a respeito dessa forma de pluralização?

Como professor, levei certo tempo a internalizar as formas usuais comparadas às determinadas pela regra, já que via e ouvia a ambas, diferentes, como são, no mesmo contexto social; uma que seria popular, e outra, culta.

Há anos (?), no momento em que comentei e escrevi num artigo ‘florezinhas‘, fui questionado. A conduta do analista contrário a essa visão teórico-gramatical foi: “Não é dessa forma que usamos e encontramos no dia a dia”.

A tradição tem sua sinuosidade, algo que convém ao saber regional, ao paladar linguístico do falante no seio familiar ou no convívio de negócios, sem a preocupação gramatical; isso basta para justificar o uso divergente da regra. A Gramática, entretanto, na sua teoria, apresenta outro critério, que nem sempre é aceito ou entendido.

Ocorrem duas vertentes: uma do povo, que é do uso habitual, e outra da teoria, imposta pela visão gramatical.

O plural de substantivo diminutivo terminado com o sufixo -zinho ou -zito ( diz a regra): ‘flexiona-se o substantivo primitivo e o sufixo, suprimindo-se o -s do primitivo’.

Ficou clara essa determinação?

Flexiona-se (primeiro) o substantivo primitivo no plural (azul, azuis; flor, flores; bar, bares); suprime-se a desinência nominal de número, -s, e acrescenta-se o sufixo -zinho ou -zito já flexionado no plural ao radical subjacente desse processo: azuizinhos, florezinhas, barezinhos.

E assim seguem-se outros. Botãozinho, botõezinhos. Cãozito, cãezitos. Coraçãozinho, coraçõezinhos.

No título, azulzinhos caracteriza o plural popular, usado em alguns momentos, e azuzinhos, uma forma de pronúncia, que se torna uma ‘grafia’, em que o -l foi suprimido, isso, salvo melhor juízo, por questão do falar regionalista; e azuizinhos, a forma, gramaticalmente, imposta, é desconhecida de grande maioria. A usual circula, razão por que a usam, mas sem amparo do texto normativo.

Fica claro que a flexão do primitivo, inicialmente, não é seguida; apenas, a flexão do diminutivo em si com o acréscimo de -s. Segue-se o modelo de plural como se o sufixo fosse -inho, apenas: (palito) palitinho, palitinhos. Difícil entender?, mas em irmão, irmãos, irmãozinhos, segue-se a norma (suprime-se -s), sem parecer que foi efetuada, ou não teria sido perceptível.

Se azuizinhos causa estranheza, nossa atenção ganha dimensões maiores com as flexões cãezinhos, cãezitos?  E pãezinhos? Amorezinhos?

Rapazezitos ou rapazezinhos teria vez no lugar de rapazitos ou rapazinhos?

Certo é que no dia a dia há dúvidas, e quanto a seguir a norma culta, o uso popular se mantém: barzinhos, florzinhas, coraçãozinhos, e o já citado azuzinhos, que varia para azulzinhos, momento em que ambos, mesmo descumprindo a norma, circulam.

Estamos tentando dissecar o que sabemos sobre o assunto. E o visitante?, como vê a regra? E a forma que tem ganhado espaço? Feia? Inadequada, mas adequada por ser popular? A forma culta, pouco usual, é ‘incômoda’?

O registro ‘Ela tem os olhos azuzinhos’ (sic), em uma obra, é que motivou este comentário. Houve erro de grafia por falta de conhecimento ou o autor quis mostrar o lado popular da linguagem (‘falada’?) de alguns ou de certos momentos?

Acredita-se que grande maioria considere que o plural de ‘azulzinho’ se dê, apenas, pelo acréscimo da desinência nominal de número (-s), nada mais, pelo fato de ser vocábulo terminado em vogal. Somente isso, assim como se usa ‘eles, esses, vocês, casas, mesas, números’ etc.

Não é isso o que determina a norma culta, mas é essa a forma de ser usado. Azuizinhos nem teria facilidade de uma boa dicção. ?!

Substantivo e adjetivo, no grau diminutivo, terminados com os sufixos -zinho e -zito devem, antes, ir ao plural no grau normal, eliminando-se o -s e acrescentado o sufixo já no plural ao radical que restou do processo.

Regra complexa? Pouco entendida e não seguida na prática? É o que foi explicitado acima, ou tentado explicitar.

Azulzinho, florzinha e barzinho.

Plural do grau normal: azuis, flores, bares. Cortado o respectivo ‘-s’, restam azui, flore, bare. Procede-se ao acréscimo do sufixo desejado (-zinho(a), -zito), seguido da desinência nominal de número (-s): azuizinhos, florezinhas, barezinhos, cãezitos.

Para reforçar a interpretação da regra.

A Gramática Normativa vê essa sequência ou exigência como natural, mas a linguagem popular reclama, não aceita, não usa ou a desconhece. A prática se distancia da norma.

Possível relação que poderia auxiliar um pouco mais o processo do diminutivo plural de substantivos terminados em -ão: botão, botões, botõezinhos; coração, corações, coraçõezinhos; mão, mãos, mãozinhas; irmão, irmãos, irmãozinhos. O feminino: irmã, irmãs, irmãzinhas.

Alemão, alemães, alemãezinhos. Pão, pães, pãezinhos.

Note as terminações -ões (esta muito popular), -ães e -ãos. Não necessariamente nessa ordem.

Diminutivo plural de substantivos terminados em -l: animal, animais, animaizinhos; papel, papéis, papeizinhos (pronúncia aberta); funil, funis, funizinhos; anzol, anzóis, anzoizinhos (também aberta); azul, azuis, azuizinhos.

Seria cabível conceituar que as formas barrizinhos (de barris) assim como funizinhos (de funis), e por isso, azuizinhos, não seriam bem aceitas?

Refaçamos o trajeto: barril, barris, barrizinhos; funil, funis, funizinhos; azul, azuis, azuizinhos. Fica clara a pronúncia ‘dificultosa’ desses diminutivos: azuizinhos, funizinhos! Não seria melhor, e normal, a-zul-zi-nhos, fu-nil-zi-nhos, bar-ril-zi-nhos?

O Latim Clássico teve seu trajeto, usado pela Igreja Católica e pela Literatura Clássica de então, na Roma antiga. O Latim Vulgar, o grande veio que deu origem ao Português Medieval, de forma mais simples e voltada ao convívio da maioria, praticado que foi pelo povo (‘vulgus’), expandiu-se muito e teve mais aceitação. Vulgo, nesse contexto, não é, como se sabe, e como a leitura nos conduz a pensar, o baixo, o ínfimo, o reles, ou medíocre.

Vulgo é o povo, sob a aura do conceito popular, ou populesco, o povão, que acabou por vencer, de forma contraditória, o culto, o clássico ou o erudito. Assim como a vida, a linguagem.

Melhor convivermos com ambos os casos.

Diminutivo plural de substantivos terminados em -r: avatar, avatares, avatarezinhos; mar, mares, marezinhos; pomar, pomares, pomarezinhos. Chanceler, chanceleres, chancelerezinhos; chofer, choferes, choferezinhos; colher, colheres, colherezinhas; mulher, mulheres, mulherezinhas; talher, talheres, talherezinhos. Elixir, elixires, elixirezinhos; emir, emires, emirezinhos; devir, devires, devirezinhos; mártir, mártires, martirezinhos; porvir, porvires, porvirezinhos; tapir, tapires, tapirezinhos. Amor, amores, amorezinhos; cor, cores, corezinhas; dor, dores, dorezinhas.

Pausa: a preferência é que se diga ‘dorzinhas’ enjoadas.

Seguindo a regra, faça como no modelo ator, atores, atorezinhos: cantor, castor, jogador, tambor, temor, torpor, reitor, valor.

Pratique um pouco sua aprendizagem.

E mais: abajur, abajures, abajurezinhos; fêmur, fêmures, femurezinhos; glamour, glamoures, glamourezinhos; lêmur, lêmures, lemurezinhos.

Entretanto, são comuns: menina, meninas, meninazinhas; menino, meninos, meninozinhos; homem, homens, homenzinhos; rapaz, rapazes, rapazinhos; pele, peles, pelinhas, e talvez, películas; pequi, pequis, pequizinhos; robô, robôs, robozinhos; peru, perus, peruzinhos.

Se terminar em -s: lápis, lapisinhos; pires, piresinhos; reles, relesinhos. Não ‘relês, relezinhos’.

A análise lhe foi útil?

 

João Carlos de Oliveira

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