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“Uma mulher ‘tá adornada’ ali”. Que linguagem é essa? Que significado tem o adjetivo?

Certamente, o homem simples não conhece a linguagem técnica de um profissional (‘adornar’ como ornamentar, enfeitar) e, talvez, o dominante dessa linguagem não saiba, por questão específica, o significado usado por alguns, popularmente,  para ‘adornar’ como cair, escornar. ‘Escornar’, no popular, é ficar inerte devido à exaustão.

Por mera suposição, o cidadão de menos conhecimento linguístico não teria condições intelectuais voltadas a conhecer a linguagem jurídica, mas, por extensão, o jurista deverá conhecer a linguagem camponesa, pelo menos de sua região, em boa parte desta Nação continental.

É que a linguagem tem caminhos outros, vertentes outras que não conhecemos todas. O linguista faria amplo levantamento para analisar o regionalismo, o sotaque, a semântica de certos vocábulos, chegando à tese de que a polissemia, sempre, nos visita, envolve-nos e nos rodeia: uma palavra não tem significado único.

Bonito nem sempre é ‘belo, lindo, formoso’, ou congênere!

“Bonito! o que você está fazendo, hein! meu filho!”

Execrável, feio, censurável (para se buscar um viés).

“Isso é feio, rapaz! Não faça o que faz! Você está maltratando o gatinho inocente!”, como a moça (na piada ou pegadinha) amarra o gato a uma torneira para dizer que havia ‘um gato’ na ligação!

Santa estupidez! Bela insanidade, se é que ‘doença’ assim possa ser chamada de bela, linda, senão uma loucura moderna, uma vaidade soberba, sem tamanho, uma asnice de derrubar peão macho do lombo do burro mais xucro que girafa a correr de leoa faminta.

Então, caro visitante, você conhece a amplitude do verbo adornar?

O dicionário o registra, mas não o usamos no dia a dia de forma simultânea.

Simultânea como, professor?

Que se possa dizer que a casa, a loja, montada por arquiteto(a), ficou bem adornada: enfeitada, ornamentada, linda de morrer!, que dá gosto de estar nela!, e, ao mesmo tempo, que se possa analisar que uma mulher está adornada no meio do caminho! Teve uma síncope, e desmaiou. Caiu, está escornada, por motivo físico. Não tem forças para se levantar.

Já nos idos de 1960, este escriba, bordão usado, e adorado, pelo confrade Ramiro Guedes, majestoso escritor, jornalista e radialista, membro-efetivo da Academia Teixeirense de Letras, desta Cidade, deste rincão baiano, dono de qualidade linguística admirável, do topo mais alto e do simples mais prático, já ouvia eu dizer por um cidadão crítico que certa senhora, que tomava uma caninha, costumava estar ‘adornada‘ na esquina que dava para sua casa.

Desmaiada, atordoada.

O mesmo analista de Cachoeira Grande, belo distrito do município de Jacobina, êta Bahia arretada, contava suas anedotas, e mandava ver sua sabedoria popular: “Cana na roça dá cachaça; cachaça na cidade dá cana”.

‘Nóis ficava‘ a pensar como isso seria possível!

Adornar, que viria a ser substituto de entornar, de cair, de escornar, sequência semântica que nem todos usam; e se dão conta de que adornar seria, apenas, enfeitar, ornamentar, tornar bonita uma morada com tais ‘arreios’, os ornatos, que fique a mais bela possível.

Nem aquele morador de lá que dizia que a senhora estaria ‘caída’ no meio do caminho (adornada), por motivos alheios à sua vontade, saberia que sua casa poderia estar ‘adornada’ por paisagista, ou pessoa que sabe tornar um ambiente ‘triste’ mais alegre que o brilho do Sol numa suave manhã de Primavera.

O decorador profissional que usaria ‘adornar’ como verbo que tem relação com os enfeites utilizados em sua atividade, para tornar uma loja mais atraente, conhece o outro lado desse verbo enigmático (?), sinônimo de cair, escornar, ficar ao chão inerte. Sim, a loja rodeada de flores, tomada por um verde supimpa, como um prédio na orla de Salvador, em Ondina, quando o falcão peregrino pia em busca de uma pardoca distraída para lhe servir de bom café matinal.

O dicionário mostra isto: do Latim adornare, verbo que implica pôr adorno, enfeitar, embelezar; ataviar, enfeitar, ornar. E: enriquecer, opulentar com conhecimentos ou qualidades. Adorna o espírito, o texto, os versos. Tornar(-se) atraente, interessante, brilhante. Adorna o canto (a música), o estilo.

Por isso, adorna-se a sala com flores.

Por isso, o charadista adornava a palestra com piadas.

Por isso, a cigana se adorna com joias.

Por isso, a menina bela adorna sua imagem com um belo lenço branco nos cabelos encaracolados.

Por isso, a jovem, todos os dias, adornava-se e ficava à janela do sobrado para conquistar sua prenda.

E adornar, no sentido de cair, escornar, em que dicionário se encontra?

No dicionário da vida, meu amigo; na faculdade da vida, na fala do interior, na linguagem típica de uma região, atípica para alguns, mas bela também e curiosa.

Uma vítima adornada, uma árvore adornada; sim, escornada. Uma rês escornada (virada de patas para cima) para ser castrada. Isso é o máximo! Seria agora um ato de maus-tratos a um animal? Carregar um frango, na feira-livre, pendurado, e com os pés amarrados, seria maus-tratos ou um costume secular?

Provavelmente, adornar possa ser corruptela de escornar, entornar, atordoar, pelo mal ouvir, pelo mal falar, pelo mal dizer, e daí nasce novo verbete, com significado especial e específico.

Mas que existe, existe!

Viaje pelos cantões do Brasil e verá surpresas linguísticas interessantes, por isso, nosso vocabulário versátil, dinâmico e diferenciado.

Fica o dito pelo não-dito e vice-versa.

E agora? Para terminar.

Inculcar e encucar me confundem!

Ele anda inculcado, ou encucado?, com os acontecimentos modernos.

Encucar, o mesmo que baratinar, atrapalhar, confundir. Uma questão da prova, muito difícil, encucou os concorrentes.

Baratinar(-se), confundir(-se): Ele encucou-se diante das palavras difíceis da noiva, motivada não sabe por quê.

Inculcar, como usou o escritor Elias Botelho, acadêmico da ATL (Academia Teixeirense de Letras), é propor, recomendar, repetir para imprimir no espírito de alguém (um ponto de vista?, uma ideia?). Apregoar, revelar, apontar, dar a entender.

Em sua obra magistral Trilha Amarga, a saga de uma família grapiunense, registra: ” – Não é por nada não! É que a gente não consegue entender direito o que ele quer da vida. E o que está me inculcando é o jeito dele se expressar. Demonstra bons conhecimentos e se mostra bem informado sobre qualquer assunto que se conversa” (sic), pág. 116, cap. 18.

Buscamos uma pergunta: inculcar não se parece com encucar? Qual é mais usado no cotidiano?

Ele quer inculcar a todos que é o maioral da turma.

Será?

Ele se encuca com a tempestade de ideias ruins que surgem no dia a dia.

Não é o mesmo?

Uma pessoa é maleável, flexível; o galho de uma árvore é flexível, e seria também maleável? A semântica responde, a depender do contexto.

Abraços para o visitante que esteve aqui hoje.

João Carlos de Oliveira

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