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“O custo anual será de dois milhões por ano”, trecho de uma análise sobre um supercomputador

Por displicência ou erro, que o seja, fato é que o pleonasmo vicioso está claro nesse enunciado: anual, adjetivo, repetido, semanticamente, em por ano, adjunto adverbial (anualmente). (Grifo nosso.)

Podemos debater essa linguagem pleonástica?

Há divergências.

Os que a condenam diriam que o pleonasmo vicioso é feio. A crítica, imperdoável, sobre ‘subir pra cima’ e ‘descer pra baixo’ é cruel, sem considerar o momento em que o falante a usa. O analista, duro, acrescenta que a falta de conhecimento gramatical é que leva o usuário a cometer essa discrepância de redação.

Ambas as hipóteses podem ser revistas.

Nem sempre seria ‘a falta de conhecimento’, pois se podem incluir o descuido e o lapso, fatos mais comuns.

Ruim seria afirmar que o uso de pleonasmo vicioso se dá sempre pela via do analfabetismo, de que se pode discordar.

O letrado, também, comete outros dizeres pleonásticos nem sempre visíveis a certos olhares, como o acima.

Para deixar o debate mais acentuado, redijamos o enunciado com outros termos:

O custo diário será de dois milhões por um dia.

O custo semanal será de dois milhões por uma semana.

O custo mensal será de dois milhões por um mês.

O custo bimestral será de dois milhões por um bimestre (por dois meses).

O custo trimestral será de dois milhões por um trimestre (por três meses).

O custo semestral será de dois milhões por um semestre (por seis meses).

O custo secular será de dois milhões por um século (por cem anos). (Estrambótica essa hipótese!)

E por outras expressões, para atiçar mais o fogo a céu aberto:

O custo quinzenal será de dois milhões por uma quinzena (por quinze dias).

O custo bimensal será de dois milhões duas vezes ao mês.

O custo de vinte dias será de dois milhões por uma vintena. O custo de uma vintena será de dois milhões por vinte dias.

Entende-se que essas frases enunciadoras sejam didáticas e/ou pedagógicas, para amenizar a celeuma.

Vê-se que de fato houve o engano ou o esquecimento, e a todos estendemos o lenço branco da paz: o iletrado deve ser bem-visto por não conhecer critérios de linguagem; o culto (jornalista, editor ou escritor) pelo lapso, possível com todos que ‘labutamos’ com o idioma.

O redator diria que a repetição se dá por ênfase (para deixar bem claro o contexto)? Pode ser. Poderia ser?

Em VERTENTE, pequeno livro de poemas, publicado em 2000, de minha autoria, na ‘introdução’, página em que fiz HOMENAGEM, escrevi: “Esta obra missionariamente lembra EUCLIDES CARLOS DE OLIVEIRA, meu pai, (…); rememora, com a grandeza do voo de sua alma, JOSEPH STALIM ROMANO, mestre da causa historiográfica (…), (professor assassinado em Nanuque, MG); e faz um apelo veemente a todos os homens para que salvem os nossos mananciais, não pratiquem mais os desmatamentos “para embelezar”, reflorestem todas as margens das nascentes e dos córregos, vitais para a vida – são eles que geram os rios e os afluentes, e considerem as queimadas como mulheres belas e perfumadas, que, de maneira sutil, com o seu fogo ardente, lhes tomam a seiva da vida e a força da terra”. O autor.

Após ‘vitais para a vida’, consta um hífen (-), que deveria ser travessão, mas o computador não me ajuda. Fica assim. Vemos hifens em textos quando seriam travessões, engano que acontece por essa razão.

‘Stalim’, do colega, vem de seu registro de nascimento, com M; o da História, como se vê em compêndios, é com N, Stalin.

As aspas duplas em “para embelezar”, hoje, trocaria por aspas simples: ‘para embelezar’, entendendo que, em se tratando da fala de alguém, devemos usar as duplas, e para destaque de uma palavra ou expressão, as simples.

O excerto ‘vitais para a vida‘, como consta, seria uma redundância, uma vez que o adjetivo (vitais) tem o mesmo valor semântico da locução adjetiva (para a vida). Teria sido salvador se tivesse escrito ‘vitais para a vida da Natureza’. Hoje, não a usaria. Um aluno, de então, me chamou a atenção para esse detalhe, a que agradeci. Meu ‘olhar de lince’, na época, não foi suficiente para ver esse lapso.

Ainda: ‘(…) considerem as queimadas como mulheres belas e perfumadas‘ não se trata de discriminação, mas de comparação, porque as queimadas, no entender de alguns, fazem ressurgir o verde após a chuva providencial, modo usado no passado para recuperar pastos, um ‘perfume’, que tem vida efêmera; que, sutil, pode enganar, assim como o odor de alguém, verdadeiro feromônio, que convida o enamorado ao deleite, à paixão rápida e fugaz.

Essa expressão, ao ver de outrem, não é convincente, mas foi o dito de então. O comentário de um especialista diz que a linguagem de Monteiro Lobato, como a de Reinações de Narizinho, seria capciosa e discriminatória; outra obra teria deixado transparecer que Tia Anastácia teve tratamento pejorativo, uma escrava doméstica?, o que seria crime.

Já naquela época? A linguagem da maioria das obras de Monteiro teria que ser revista? Reescrevê-las?

Vamos terminando.

Um livro antigo, editado em 1969, pelo Governo do Estado de São Paulo (PROGRAMA DE ADMISSÃO), apesar de ‘anoso’, é excelente. A parte de Português, então, tem dinâmica de aprendizagem que nos atrai. Também pudera, foi editado pelo professor Domingos Pachoal Cegalla.

Compulsei-o atentamente e encontrei exercícios que não seriam praticados hoje em sala de aula, o que limita ao aprendiz melhores conhecimentos linguísticos pela prática. Alguns mestres querem, tão-somente,’redação’ e mais ‘redação’, sem até delimitar a descrição, a narração e a dissertação.

Entre esses, escolhi dois bem supimpas.

O primeiro. “Passe para o tratamento você”, com base num texto de Monteiro Lobato (O Leão e o Ratinho): Segue em paz, ratinho; não tenhas mêdo de teu rei”. A resposta, que não consta, é: Siga em paz, ratinho; não tenha medo de seu rei.

A propósito, passemos para o tratamento vós: Segui em paz, ratinho; não tenhais medo de vosso rei.

O tratamento vós pode ser para uma (a resposta dada) ou para várias pessoas: Segui em paz, ratinhos; não tenhais medo de vosso rei.

Para o tratamento vocês: Sigam em paz, ratinhos; não tenham medo de seu rei (do rei de vocês).

Uma frase usada em mensagem, que circula abundantemente na Internet, diz: “O dia de hoje é presente de Deus! Aproveite-o ao máximo”, que está no tratamento você.

Passemo-la para o tratamento tu, vocês e vós respectivamente:

O dia de hoje é um presente de Deus! Aproveita-o ao máximo!

O dia de hoje é um presente de Deus! Aproveitem-no ao máximo!

O dia de hoje é um presente de Deus! Aproveitai-o ao máximo (para uma ou mais pessoas).

Comumente, enunciados há que misturam os tratamentos você e tu, o que não é bom. “Vem ver, porque hoje é a sua vez”.

O segundo. “Escreva as palavras seguintes em ordem alfabética”: precipício, preciso, precioso, precisar, precipitado, prece, prédio, precavido, precedente, preço.

Esse parece tolo, mas não o é. Em fôlderes e panfletos nem sempre a ordem alfabética vem correta, o que prejudica o uso do idioma. Os nomes dos animais no Jogo do Bicho, por exemplo, não estão em ordem alfabética adequada: avestruz vem antes de águia; burro, antes de borboleta; cachorro, antes de cabra. Além de outros. O treinamento é eficaz.

Resposta: precavido, prece, precedente, precioso, precipício, precipitado, precisar, preciso, preço, prédio.

Obrigado. Até a semana entrante.

João Carlos de Oliveira

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