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“Custa R$ 24,00 o quilo… Mas o senhor leva o tanto que o senhor querer”, diz atendente de loja de produtos caseiros

Sabemos que, no dia a dia, verbos oferecem dificuldade de conjugação, e entre esses querer estaria no topo.

Se se trata de verbo tão usado, e conhecido (?), por que esse erro de flexão surge habitualmente?

Verbos irregulares (que alteram o radical) precisam de atenção, e tanto o são, que, na Gramática Normativa, vêm conjugados em todos os tempos, embora se tornem intragáveis para boa maioria. Jovens não gostam desse ‘tratado’.

Presume-se que estudante secundarista (esse termo ainda é usado?), à procura de boa universidade, mesmo preocupado com provas do ENEM, dá pouca ligança (uma gíria?) para os tais, e se os estuda, fá-lo superficialmente.

Tem boa aparência, é simpático, eficiente em outros campos ou aspectos, razão por que poderia associar tais predicados à boa linguagem, mas comete deslizes. ‘Há muitos anos atrás’ é um deles; também pudera, esse pleonasmo é usado com frequência pela mídia, o que influencia!

Tem boa letra, bom conhecimento geral, faz críticas coerentes, e poderia associar essa performance à sua fala e escrita, mas talvez não se importe nem pesquise.

‘Se ele ir, me avise’, outro lapso, além de ‘Se você querer‘, ‘Se ele fazer a festinha’. Uma pena!

Por falar em boa letra, não se deve confundi-la com ‘caligrafia’, a letra bonita. Seu contrário é cacografia, termo inusual, antipático, em desuso; no lugar dessa joia, sabiamente arquivada, usemos garatuja, garrancho (o que é bom). Se alguém adota caligrafia bonita, pleonasmo vicioso, como o é ‘se auto proclama’, vai enferrujando sua linguagem, entortando-a. Bastariam caligrafia, ‘se proclama’, ‘autoproclama’ etc. ‘Se’ já quer dizer ‘dele, dela, de si mesmo, de si mesma’. ‘Auto’, por questão semântica, ‘de si mesmo (a)’, assim como se tem autoproclamação (a proclamação de si mesmo), autodeclaração, que declara de si mesmo. Que se use ‘ele se declara, ele se proclama’. ‘Ele se autodeclara, ele se autoproclama’ se enfeiam, como ‘borra de café em xícara de luxo’.

A lista poderia ser encompridada, mas bastam esses exemplos para mostrar o hábito, ou empecilho.

Ver. Ele viu, por isso, ele reviu, não ele reveu. ‘Se você vir alguém fazendo isso’ não circula; somente, ‘Se você ver alguém fazendo isso’. Nessa pandemia, seria ideal a frase ‘Se você vir alguém na rua sem máscara, reclame’. ‘Vir’, futuro do subjuntivo de ver, seria confundido com ‘vir’, infinitivo, o mesmo que regressar, voltar.

Vir. Ele veio, por isso, ele interveio, intervém, ele vem, eles vêm. Não se confunda eles vêm com eles veem. ‘Se ele vier‘ é raro. Comum, ‘Se ele vim‘, forma verbal da primeira pessoa do singular, eu vim (pretérito perfeito). ‘Vou vir amanhã’, padrão culto, só na linguagem escrita de poucos. ‘Vou vim’ está-se tornando praxe, correta como sapecar sal na batata-frita, já salgada. ‘Se ele viesse’ vira um clássico. ‘Se ele vinhesse’ tem o companheiro ‘Se ele vinher’. ‘Se ele disser’ nem pensar!

Quem duvida deve afinar os tímpanos, que ‘oivirá’.

Estar. Ele pode ‘está‘, cujo engano não se percebe na fala, toma o lugar de Ele pode estar (na escrita, que se embasa em pode chegar, pode vir, pode ser, podemos estar, deve estar, devemos estar). ‘Eu estive’ torna-se popular: eu ‘tive’, como ele teve no lugar de ele esteve. Entretanto, o uso costumeiro de ‘eu tive’ lá, da fala popular, não seria erro, mas hábito da linguagem ágrafa. Não se escreve ‘pode sê, pode vê, pode tem (pode tê?), logo, a grafia ‘pode está’ é pedra bruta.

Fazer. ‘Se ele fazer, se ele fazesse’, habituais, doem um pouco. Se ele fizer, como se quiser, se houver, se puder, se vier, se vir fulano, se estive, se tive, se esteve, entre outros, são pouco ouvidos no falar regional. O modo subjuntivo é teórico e gramatical, e de praticidade diminuta.

Ir. Se ele for, se ele fosse etc. têm uso parco. Se ele ir, isso dói, mas é praticado.

Haver. Se houver, se houver sido feito, se houvesse, se houvesse cuidados. Haveria pessoas, há pessoas, havia pessoas. Como impessoal, no sentido de existir, haver ‘não flexiona’, diz a Gramática, de que se subtende ‘flexiona sim’, mas somente na terceira pessoa do singular, que vale também para o plural.

Poder. Se puder, se pudesse. ‘Se ele poder ir’, isso não agrada. Se puder, se puder ir, se puder fazer etc. Basta assim.

Há outros verbos que oferecem dúvida, mas os deixemos para outro dia, sabendo que o visitante tem discernimento para o certo e o errado gramaticalmente.

A prática seria esta: no lugar de toda essa celeuma e dúvida, bastaria que se usasse o presente do indicativo com valor de futuro do subjuntivo. Somente isso seria o suficiente. Se ele vem no lugar de Se ele vier; se ele no lugar de Se ele vir (alguém); se ele quer no lugar de Se ele quiser etc. Se ele diz, se ele pode, se ele faz.

A frase da atendente ‘… o tanto que querer’ poderia ser ‘… o tanto que o senhor quer’. Não se sabe em que momento a Gramática aponta essa vertente, se dá esse conselho, mas se trata de uma viabilidade eficaz. Resta saber, ainda, se o usuário que tem dúvidas conheceria essa opção. Se tem incerteza no uso de Se o senhor quiser, bastaria O que o senhor quer (deseja, pretende). Ficaria bom assim.

Li, há anos, que se foram e não ficaram esquecidos, em Veja, que uma jovem francesa dizia que o jovem ‘maltratava muito o idioma’, no caso, o Francês, ou algo similar, e isso seria desagradável. E que, se o jovem deveria respeitar a Pátria, e suas tradições, como a família, deveria também ‘jamais maltratar seu idioma’, e seu dever seria conhecê-lo mais para usá-lo melhor.

Para terminar, o que é ‘acervo literal’?

Sobre uma biblioteca, disse uma mensagem de ente municipal: “Tem o maior acervo literal”, sic. Sabe-se que literal se refere a letra. Ao pé da letra, literalmente. Seria o significado de expresso, rigoroso, restrito, outra forma de ver o lado semântico desse adjetivo? Não encaixa. A não ser que o redator quisesse dizer Biblioteca com maior acervo literário, que teria sentido. O texto está em fôlder, propaganda, ainda, veiculada em site, que deve ter tido o momento de revisão. O engano não foi percebido?

‘Volte aqui, rapaz! Amanhã, ‘tem’ mais, viu!

 

João Carlos de Oliveira

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