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Verbos (desconhecidos da plebe?) que chamam a atenção. Alguns, pouco usuais, seriam empecilho ao domínio popular?

Primeira parte.

Existe grande quantidade; uma gama deles está aqui hoje. Além do Latim, língua-máter, nossos camaradas o Italiano, o Espanhol, o Francês, idiomas neolatinos, ‘irmãos’ do Português, têm gerado fartura nesse campo. Pouco se sabe de verbos assim que venham do Inglês ou Alemão, salvo engano. Outros nascem do nosso riquíssimo Brasileirismo (empestear), com semântica variada.

Tentemos analisá-los, sem conjugação, a fim de que não se tornem mais inusitados e pouco interessantes.

Admoestar. Do Latim admoestare, tem o significado maior de ‘advertir, censurar, repreender, avisar’. Admoestou, como pôde, a criança traquinas, mas teimosa, subiu na escada e caiu. Frase como ‘Admoesto-o sempre que posso‘ se torna linguagem clássica ou erudita (apesar de ter dito em não conjugá-los).

Aglutinar. Do paizão latino agglutinare, verbo que tem significado bonito e comum (unir, juntar, colar, fundir), mas não se trata de forma popular nesse aspecto semântico. Seria muito usado na linguagem comparativa quando se fala em junção e alteração de radicais (formação de palavras: aglutinação ‘em+boa+hora’, embora, quando gramáticos mostram a quantos gravetos as palavras nossas nascem de acoplamentos curiosos). Aglutina-se ‘filho de algo’, rebento de pessoa importante, da qual não se quer falar, e nasce ‘fidalgo’, pomposo como o nascer do Sol no Oriente, ostentando o que tem e o que não tem. A moça bonita aglutina em sua face vários tipos de rouges, e róseo matiz surge. A Medicina também aglutina para dizer ‘fixação de anticorpos sobre determinado antígeno (…)’.

Asseverar. Origem: asseverare, base latina. Afirmar, assegurar, dar como certo, certificar, confirmar. Pelo que vemos, a Economia assevera que haverá mudanças drásticas, e a inflação será galopante.

Chafurdar. Revolver-se em chafurda, o mesmo que lamaçal, chiqueiro onde porcos se espojam (para matar pragas, hidratar a pele, se não ela racha, de tão gorda?). O jovem, inseguro, chafurda em vícios, empolgado com outrem que se deleita com drogas ilícitas.

Consubstanciar. Com o significado de consolidar, concretizar, ligar, unificar, sua estrutura preconiza que vem da junção de con+substância+ar (prefixo, radical, sufixo, pela ordem, respectivamente), o que nos dá uma parassíntese. Muito usado no setor jurídico, poder-se-ia dizer que é termo técnico, talvez, indicativo de consolidar acordos trabalhistas, cíveis, e até a moderna ‘delação premiada’, forma que ‘aperta de um lado’ (condena o delatado) e ‘folga de outro’ (absorve em parte o delator), apaniguando a Justiça, tornando-a mais frágil do que já é. Faz parte desta família: consubstanciação, consubstancial, consubstancialidade, consubstancialismo (palavras  multifacetadas e chiques, indicativas de um falar culto).

Corroborar. É latino (de corroborare), próprio de nível elevado, de linguagem que pouco um ouvinte comum vá entender, puxando o sotaque especial de certo usuário. ‘Isso corrobora que o povo faz parte do Poder’ (confirma, valida, dá força) na teoria, pois a prática nem sempre é evidente. A expressão ‘O Poder nasce do Povo’, explícita na Carta Magna, é motivadora, mas na praticidade vemos pouco essa virtude pétrea. Um dia pode estar entre nós, a começar com o voto livre, em Democracia maiúscula, e, de fato, consolidante de que o Governo não existe unilateralmente.

Deglutir. O médico pede ao paciente deglutir o comprimido empurrado por um gole de água. Do contrário, ele engastalha na garganta, sufoca e pode matar. Então, degluttire é verbo de poucos falares, com o sopro de ‘engolir’, descer goela abaixo. A deglutição faz parte da digestão, e tudo que comemos e bebemos deve ser deglutido com cautela. ‘Com vagar’, senão, engasga. Já ouviu dizer que alguém morreu engasgado com osso de galinha, espinha de peixe? Um caso assusta: uma senhora morreu engasgada com uma banana (por não ter sabido degluti-la).

Degustar. Na amostra de produto para ser consumido no dia a dia (queijo, iogurte, guloseima), o vendedor (uma moça com o sorriso nos quatro cantos) usa esse verbo com ternura: “O senhor pode degustar este petisco!”, insinua, mostrando algo espetado num palitinho ou dentro de um copito que polui a Natureza, para vender o que lhe pedem. Degustar, nascido de degustare (latino), pelo Francês déguster, como nos ensina um dicionário, vem a ser avaliar o sabor de, aprovar, testar, deliciar o paladar. Deguste o vinho importado com sofreguidão. E o outro, sob um olhar notório, diz que vai ao shopping participar de uma degustação. Quando chegou lá, ofereciam pipoca de micro-ondas na porta do cinema. O someliê, de sommelier, em Francês, e o barista, entre outros, são profissionais do sabor.

Engalfinhar-se. Agarrar-se ao adversário, atracar-se a outro, brigar corpo a corpo, ir às vias de fato, lutar. De onde vem? Da semelhança das garras de um animal? É um verbo crítico. Usando-o na metáfora política, engalfinha quem surrupia, quem tira de outrem o que não lhe pertence. Numa linguagem bem jocosa, alguns administradores municipais são perfeitos engalfinhadores, ‘pulam em cima de tudo’ que seria do povo, e dizem sorrindo que estão fazendo o bem. Verbo prosaico, é do Brasileirismo bem próximo da linguagem ágrafa. Alguém ‘dizeu’, e pegou. Segura em algo: engalfinha, meu filho, nos cabelos dela, que você vai vencer.

São verbos especiais, cuja redação não está na ponta da língua nem para os doutos, dominantes da norma culta, como o seguinte.

Empestear (Brasileirismo; empestar, pestear; infectar de peste; tornar-se pestilento; corromper, depravar). “Saia daqui, empesteado, desgraçado” (sic), diria uma pessoa com raiva do ‘sacana’ que a perturba. “Seu ‘pistiado’, ‘cabrunco’, vai procurar sua laia” (sic), diz outro, para afugentar o intruso. Carbúnculo é doença, em geral, bovina, também chamada manqueira. ‘Cabrunco’ é corruptela dessa palavra, para designar a própria doença ou o chato, incomodável, que deve afastar-se do grupo.

E, ainda, para competir com quem inventa modinha do falar novo, criemos alguns verbos de cunho neológico, como estes estranhos.

Matusalenizar (ou matusalenear), viver muito como Matusalém, ser longevo como o Morro dos Ventos Uivantes, nas monções da Indonésia. Longevizar.

Podemosear (ou podemosizar), atuar, agir como o Podemos faz. Imitando-o, se fizer o bem, o bem será; se for o mal, haverá uma pulga atrás da orelha, e tudo vai parar na Justiça.

Kiltizar, usar o kilt, saiote de homem, como se fosse um escocês tocando sua gaita mágica ou exibindo membros musculosos.

Nabucodonosorizar, libertar um povo, ou destruir uma cidade inimiga. (Cadê a frase?)

Nostradamizar, ser criativo, inventar, profetizar, adivinhar, supor que daqui a milhões de anos o Sol vai explodir. (A frase com esse verbo fica a cargo do visitante.)

Meu avô materno, João Elias Viana, Pai Dindinho, lá em Cachoeira Grande, queria centesimar, mas morreu antes desse tempo.

O Brasil está rico de ‘neofilósofos’. A todo momento, veem-se mensagens na Internet de sábios dando ‘receitas’ de mezinhas para curar o doente do Covid-19, com panaceias de todos os tipos. Aconselham como se fossem ‘doutores’ de Oxford, da Sorbonne, Harvard, Utrecht  ou Coimbra, até da nossa USP (universidades importantes do Planeta). Querem olvidar nosso baluarte Tobias Barreto, filósofo brasileiro?

João Carlos de Oliveira

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