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O poeta poetiza, Cecília Meireles foi nossa maior poetisa, o profeta profetiza, a ferida cicatriza… Está correto ‘o berço da poetiza’?

São dois elementos mórficos: isa, sufixo nominal para formar femininos, e izar, formador de verbos.

Para ficarem bem explícitos os critérios de formação de femininos e de palavras derivadas sufixais, para o caso de verbos nascidos a partir do sufixo izar, exemplos são necessários para deixar bem claro esse processo, como também estabelecer a diferença de grafia entre um caso e outro.

O usuário, além disso, deve ficar atento ao aspecto semântico de cada frase.

Ela profetiza que muitos vão perder a vida por causa de doenças desconhecidas, que vêm assolando o mundo. (Profetiza, forma verbal.)

A profetisa julga que o mundo, hoje, tem uma face diferente da anterior, por isso, tantas doenças que se alastram, gerando epidemias e/ou pandemias. (Profetisa, feminino de profeta.)

Chega a haver, se o redator criar frases específicas, com uma finalidade incomum: a poetisa poetiza (o poeta também poetiza); a profetisa profetiza (o profeta profetiza); o sacerdote sacerdotiza (a sacerdotisa acaba de sacerdotizar que vão surgir outras crises mundiais).

Observa-se, porém, que o verbo sacerdotizar tem fundamentos gramaticais, mas não está consumado em todo dicionário físico; o virtual, talvez, o registre.

Como exemplos, de concreto forma-se concretizar; de nacional, nacionalizar; de formal, formalizar; de estável, estabilizar; de estéril, esterilizar.

O importante é o cuidado com a grafia quando o verbo com essa terminação for flexionado na terceira pessoa do singular do modo indicativo: concretiza, nacionaliza, formaliza, estabiliza, para que não seja usado com a mesma grafia do feminino, o terminado em isa, que tem o mesmo valor fonológico.

Não devem ser confundidas as grafias isa e iza, fato que pode acontecer.

A quantidade de femininos terminados em isa não é tão extensa, mas o número de verbos com o sufixo izar, que passam a ter a grafia iza, quando conjugados, é enorme. Por isso, todo o cuidado. Praticamente, de todos os adjetivos e muitos substantivos terminados em al se podem formar verbos com o sufixo izar.

Verbal, verbalizar.

Consulte seu acervo linguístico e relacione palavras (adjetivos ou substantivos) das quais possa formar essa derivação sufixal.

Quer alguns exemplos? Banal, bestial, brutal, canal, central, colonial, estadual, excepcional, fatal, hospital, ideal, legal, liberal, imortal, local, marginal, nacional, penal, processual, sexual, social, total, viral.

Todos sabemos que se tornou moda dizer que tal imagem ‘viralizou’, como se fosse uma praga invadindo nosso espaço. O verbo pode existir, viralizar, mas se trata de um modismo um tanto enfadonho?

Ambos os processos têm causado uma baita confusão na cachola de quem não distingue as classes gramaticais, e acaba escrevendo com a grafia, talvez, trocada: onde seria isa vem iza, e vice-versa.

O sufixo nominal é bastante comum, citado na Gramática Normativa com larga explicação sobre seu uso.

O poeta, a poetisa.

O profeta, a profetisa.

O cânone, a canonisa.

O diácono, a diaconisa.

O píton, a pitonisa.

O sacerdote, a sacerdotisa.

O que pouco se entende é o porquê de confundirem o feminino com a forma verbal e vice-versa.

Uma boa reportagem, com um texto formal e redação razoável, narrando fatos acontecidos no Caminho de Cora Coralina, uma de nossas grandiosas poetisas, entretanto, registra ‘O berço da poetiza’ (sic), referindo-se a essa imortal, personalidade de Goiás Velho, que deixou sua marca histórico-poética, de muita grandeza. Pela sua biografia, pessoa simples, sem escolaridade elevada, mas de alto nível cultural e de estrondosa sensibilidade para a Poesia, verdadeira ‘maestrina’ das palavras.

Podemos compará-la a Cecília Meireles, a Henriqueta Lisboa e outras? Sim, todas têm muito mérito, e desejaríamos que atuais poetisas modernas, a que chamam de ‘poetas’ (linguagem que este comentarista, advogado-poeta, não usa), tenham também o nível emblemático como o delas.

Existem os substantivos biformes: o masculino tem sua forma, o feminino, outra. O homem, a mulher; o genro, a nora, e o poeta, a poetisa. Como o usam hoje, a poeta se torna um substantivo comum-de-dois, em que se muda apenas o artigo: o artista, a artista; o articulista, a articulista, e assim o poeta, a poeta.

O poeta, ou o vate, como nos umbrais da literatura greco-romana, relação imensa que temos, a começar de Dante Alighieri e William Shakespeare, chegando aos nossos Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, como a Castro Alves.

Então, a mulher com esse valor estético, o mais alto possível, seria a poeta ou a poetisa? Abandonaram, pelo que se vê, o feminino original, com a envergadura citada de períodos áureos da Historiografia Universal, e adotaram a poeta, que me não conclama ao mesmo uso. Seria chique, nestes dias, dizer assim, e não do outro modo, porque este estaria defasado, um termo arcaico ou cafona.

Não o vejo assim.

Voltando ao ‘berço’ dos dois sufixos, seria de bom alvitre não se confundir um verbo como cicatrizar com universalizar. Por quê?

Muito simples justificar: cicatrizar não possui o sufixo izar, como universalizar.

Cicatriz forma cicatrizar, processo sufixal, mas houve apenas a receptividade do sufixo ar. Isto é, cicatrizar vem de cicatriz pelo processo da derivação sufixal: cicatriz+ar=cicatrizar. Universalizar, não: universal+izar.

Também não se confunda o aspecto ‘isar’ em analisar, avisar, encamisar, e outros. Por quê?

Seria simples a explicação: os vocábulos análise, aviso, camisa e paralisia, como se vê, são grafados com S, e para a formação do verbo correspondente, deve haver, apenas, o acréscimo do sufixo ar: análise+ar (analisar), aviso+ar (avisar), en+camisa+ar (encamisar); paralisia+ar, paralisar.

A pandemia paralisa o mundo.

Em tempo: encamisar não é verbo derivado sufixal, mas uma parassíntese, ou derivação parassintética, pelo fato de serem acoplados, ao mesmo tempo, um prefixo (en) e um sufixo (ar).

O mais é a acuidade: com o olhar de um lince, ficar atento ao significado da frase, ao contexto, à sua construção e à classe gramatical. Pode-se dizer que aquele que tem dificuldade de conhecer com detalhes as classes gramaticais, e muitos há, tendem a ter mais enganos na fala e na escrita.

Fechando este circunlóquio indireto, entende este escriba que o suposto ‘erro’ de uma pessoa iletrada dizer arrecardar ou dez real seja bem inferior ao de uma escolarizada que diz Há dez anos atrás, Pra mim fazer, Ô pessoal não façam isto, Se liga nessa cara, Acabou de chegar na cidade muitos produto de qualidade etc.

Diante de fatos cotidianos, em algum momento, precisamos dizer o que somos, o que fazemos, o que pensamos, e que, certamente, um lenhador teria muitas dificuldades para negociar com um cônsul.

Obrigado.

 

João Carlos de Oliveira

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