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A vaca pare? Dá cria? Ou dá à luz? Qual dessas expressões se deve usar para um animal? Alguma estaria incorreta?

O cuidado com a linguagem, para se evitar o pejorativo ou discriminatório, é um bom princípio do redator.

Há quem escreva exageros ou invente termo que nada teria a ver com o fato. Vai-se dizer que o gato ‘resmunga’ quando está com fome? O figurado serviria (o normal, não). Seria uma frase criativa o redator escrever que a mula ‘pede para descansar da carga pesada‘.

Verbos indicativos das ‘vozes’ dos animais não têm sido usados, ou pouco são vistos. A ovelha bale à procura do rebanho. O cão rosna. A cadela grunhe (ao sentir dor). A mula zurra (ou orneja; em seguida, estanca e deita) se o fardo está pesado. O marruás esturra se avista o touro invasor do seu terreno. A cigarra zizia quando busca acasalamento.

Há muitos, que podem ser usados.

Continue dizendo que o galo cocorica, ou faz cocoricó, que está certo. Não tenha medo. Frase diferente para falar que o galináceo ‘cochila‘ na madrugada só se for poética ou figurada, uma metáfora campesina (O galo cocoria no telhado); ao contrário, a emenda (a invenção) seria pior que o soneto.

O porquê do comentário de hoje, com as três perguntas no título, se deu pelo fato de uma frase ter dito que ‘o tatu deu à luz’. Por uma imagem, certamente, o tatu fêmea, do tipo chamado popularmente tatu peba, está com um filhote. Nada estranho, mas a informação de que ‘o tatu’ deu à luz não seria inusitada, uma redação fantasiosa ou muito moderna?

Pela Gramática Normativa, o tatu fêmea pare ou dá cria. O tatu fêmea gera sua prole num parto de 2 a 4 filhotes.

O redator, que seja um biólogo, vai informando ao leitor a ocorrência. O que viu na mata, no zoológico ou no momento especial.

Certo, entretanto, que a modernidade queira criar frases diferentes ou pomposas, mas alguém usar um termo que pode não ser adequado para o momento (relativo a pessoa ou animal), talvez, transgrida a normalidade, alterando o teor da narrativa.

‘Um dia após o tatu dar à luz’ significa parir, dar cria? Gerar a sua prole? (No campo, a frase A vaca deu cria é comum.) A égua deu à luz não seria do linguajar natural.

A atenção, pois, com os dizeres, observados os costumes, é necessária, e a criatividade moderna pode não ficar clara.

O tapir pare um filhote com listras verticais. A cadela está prenhe. O touro cruzou a novilha nelore, que deu bonita cria. O garanhão enxerta a égua nova. A vaca graúna está pejada (vai nascer um bezerro forte).

A fala que diz que a jumenta está ‘grávida’ implica semântica diferente, e nada diz que seria obrigatória (a corrigir algum erro anterior). É uma forma nova de expressão, que serve, mas não se trata de obrigatoriedade linguística, como não devemos dizer que a jovem famosa, influencer digital, está completando a ‘prenhez’ de nove meses.

Os termos prenhe e prenhez seriam próprios para os animais. Grávida e gravidez para os humanos. O uso em aspecto inverso requer muita maestria.

A leitoa está prenhe. A gravidez da jovem Inês é a sensação da família, que espera o bebê Gustavo, com cerca de 3 quilogramas e o tamanho de 60 cm. Um menino robusto.

Se o dicionário explica que ‘prenhe’ significa a ‘fêmea grávida’, certamente, é para indicar que a espécie vai dar uma cria, e não seria ideal dizer que ‘a fêmea está com um filhote na barriga’, ou algo parecido. A repetição de termos, que prenhe é a fêmea que está com ‘prenhez‘, ficaria redundante. No popular, a vaca está prenha. Um termo técnico: a prenhidão da vaca dura em torno de 283 dias.

Mas a vaca não está ‘grávida’ como a moça não está ‘prenhe’. O popular diz prenha para prenhe, e se refere a uma ‘fêmea’, o que indica uma espécie animal, e não seria uma mulher. Não ficaria bem dizer que a moçoila é a ‘fêmea’ que vai ‘parir’ um menino sadio.

Ainda, acrescenta-se que a expressão ‘dar à luz‘ está sendo usada de forma indevida ou truncada. Aparece ‘dar a luz um menino‘, ‘dar à luz a um menino‘, ‘dar luz à uma menina‘.

No figurado, ‘dar a luz‘ é aparecer, surgir, ser notado.

Deu a luz a um menino‘ não seria que houve o parto e nasceu o menino, mas ‘orientou-o’, que ‘esclareceu um fato à criança curiosa’. Sim, ‘dar a luz a uma menina’ é expressão correta, mas não para indicar que a mulher gerou uma filha.

Dar à luz a uma menina‘ não está adequada por haver dois objetos indiretos: à luz (com crase, fusão do artigo a com a preposição a) e ‘a uma menina‘, repetindo a mesma preposição (outro objeto indireto). Para ficar correta, é preciso que esse segundo ‘a’, preposição, seja eliminado. Correta: Dar à luz uma menina (primeiro complemento, objeto indireto; segundo, objeto direto). O oposto desta, no sentido de nascer a criança, também, não deve ser usado: deu luz a um menino, como mostrado acima. E pior ainda: deu luz uma menina (que seriam dois objetos diretos).

É indispensável muita atenção para entender estas variantes: ‘dar à luz um bebê’ (a que deve ser usada); dar à luz a um bebê (que não deve ser usada), ‘dar luz um bebê’ (também inadequada).  Há grande diferença entre as três, e todas estão sendo usadas. Outra frase registrou: “Após ‘dá’ luz a gêmeas” (sic), cujos complementos verbais vêm em posição invertida. ‘Após dar à luz gêmeas (objeto indireto, à luz, e objeto direto, gêmeas).

Sim, e podemos usar que ‘o tatu deu à luz’? Trata-se de algo inovador, de linguagem hodierna bastante inventiva que pouca clareza traz ao fato: o tatu fêmea deu cria (gerou um filhote, pariu). Parir não é termo ofensivo.

A vaca pariu. A gata gerou seis filhotes. O tamanduá-bandeira deu nove crias, todas tamanduazinhos robustos. (Isso é a normalidade.)

A moça pariu. A mulher está parida. A senhora está prenhe? A dona de casa deu cria a 17 filhos, um atrás do outro. 11 meninos homens e 6 meninas mulheres.

Essas frases têm algo a ver com o regionalismo da linguagem, os costumes, e sob licença poética ou liberdade de expressão podem ser usadas. Usá-las de qualquer jeito, como se fossem normais, pode não cair bem.

O ‘filho homem’ é o jeito de falar para indicar o menino. A ‘filha mulher’, da mesma forma, indica a menina.

O ideal seria ‘a dona de casa teve 17 filhos: 11 meninos e 6 meninas’, mas nem todos usam assim ou gostariam de usar dessa forma. Nesse momento, respeita-se a individualidade de cada um e vemos que a linguagem regional tem sua valia. Usam-na sem maldade, pejoração ou intenção discriminatória, o que é bom.

Ficamos a pensar quando alguém diz que fulana é ‘uma ídola’, que ‘vovó é uma carrasca’, que ‘a menina é uma monstra’. Os substantivos ídolo, carrasco e monstro, se usados para pessoas, são sobrecomuns: valem para o masculino e o feminino.

Ela é um ídolo, a vovó é um carrasco, a menina é um monstro. (Se houver necessidade, algum derivado da família de cada palavra, para esclarecer, pode ser usado, ou haja nova construção frasal.) A menina é monstruosa. Vovó age como carrasco.

Obrigado.

 

 

 

João Carlos de Oliveira

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