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Variantes de formas verbais: havemos e hemos; constroem e construem. Seria esdrúxula a frase “Eu houve por bem ter ‘constroído’ a casa no morro”?

Verbos são vocábulos fortes e exigentes; às vezes, de difícil uso pela grafia, pronúncia e semântica, e quanto ao sentido podem variar do comum ao figurado.

Haver, do Latim habere, tem muitos significados e usos. No popular, ‘Compadre, tens um haver comigo: um troco de vinte Reais, que deixaste aqui’, disse o quitandeiro.

Mas ‘Isso nada tem a ver comigo; não faço parte dessa laia’ (disse o homem enraivecido ao fazer sua defesa após uma acusação).

Aspecto denotativo: ‘Os flagelados houveram muito auxílio de outros Estados’ (de um dicionário), no sentido de ‘ter’, herdado do Latim. Um possível lado conotativo: ‘Hás de te haveres ante Deus no Juízo Final’ (frase pessoal).

Ilustres universais deixaram recados usando o verbo haver: “… hão medo de perder a autoridade” (Luís Vaz de Camões). “… Se cada um tomasse o que lhe fosse necessário, não havia pobreza no mundo e ninguém morreria de fome” (Mahatma Gandhi).

Tais assertivas podem-se aplicar à modernidade?

Essas nuanças podem acontecer tanto na linguagem popular como na culta. Basta que olhemos como seu significado tem a tendência de chamar a atenção para certos hábitos e costumes. Esses dois termos podem ser tomados como sinônimos, mas também se diferenciam num instante: o hábito é individual, e o costume, mais antigo, pode tornar-se tradicional, que passa de geração a geração. Normalmente, o costume não se torna um hábito, mas o hábito, mais tarde, com o uso repetido, vem a se tornar um costume (mesmo que o oposto seja uma tese).

O hábito de alguém ter um dente de ouro; mais tarde, torna-se o costume de todos daquela família terem, também, um dente de ouro, o que se propaga. Por que isso pode acontecer? Por que povos gostam de usar ‘uma atração’ com finalidades diversas.

Uma frase cotidiana nascida de uma rixa: “Você vai se haver comigo um dia por dizer essas coisas”.

Falemos, então, dessas variantes de formas verbais.

O verbo haver, coitado!, nem sempre é usado corretamente. Sabidos há que usam ‘Há dez anos atrás’, criando o hábito da redundância, uma vez que não temos ‘Há dez anos na frente’. Há anos significa o que se passou, e atrás tem-se tornado um intruso que não sai da cacunda de haver.

Eu hei, tu hás, ele há, nós havemos ou hemos, vós haveis ou heis, eles hão. Presente do indicativo.

Hemos e heis são reduções, respectivamente, de havemos e haveis, mesmo que outros critiquem ou não aceitem.

Eu hei de vencer na vida. Tu hás de ser feliz com ela. Ela de chegar com muito dinheiro na capanga. Nós havemos de chegar lá; nós hemos de comprar um carro novo. Vós haveis de cumprir vossa palavra; vós heis de dizer toda a verdade diante da autoridade. Eles hão de conseguir bons resultados.

No dia a dia, não seria comum o uso falado de hemos e heis, mas na escrita os encontramos. “Nós hemos de viajar amanhã de manhã” (frase transcrita de um comentário num sítio).

Já o havemos seria costumeiro: “Sou entre flor e nuvem. Por que havemos de ser unicamente humanos?”, da grandiosíssima Cecília Meireles.

O verbo haver, como vemos, é muito irregular, a ponto de suas flexões parecerem ser de verbos diferentes. Há, hei, houvera, houvesse, houver, haja etc.

Na atualidade, em que se desprezam formas mais antigas por simples ‘modernismo’, ou que estariam em tendência de desuso, não vemos ‘Houvera por bem chamar a polícia em vez de ele mesmo querer fazer justiça com as próprias mãos’, seria uma frase inusitada.

Se conjugarmos haver em todos os tempos, veremos que sua multiplicidade de opções e sentidos é tão rica, que ficamos com receio de cometer algum engano, resultando que o admiramos, mas o usamos limitadamente, em especial, na linguagem falada.

Num momento, é um verbo pessoal, conjugado em todas as pessoas; em outro, impessoal, com a mesma forma para o singular e o plural: há flor, há flores; adiante, pode ser pronominal: Ele não se houve bem no concurso. E passa a ser verbo auxiliar com o mesmo valor de ter: Eu havia chegado cedo. Eu tinha chegado cedo. A sintaxe do verbo haver é estrondosa, com cerca de 20 itens, ou mais.

Ouso, ainda ‘estudante’ que sou do idioma pátrio, criar a frase na forma imperativa (na pessoa tu): Há de fazeres o bem sem olhares a quem (lema de entidades filantrópicas).

Como citamos o verbo construir, afirmamos que a Gramática Normativa o costuma conjugar com duas variantes: construo, constróis e construis, constrói e construi, construímos, construís, constroem e construem (presente do indicativo).

Nesse caso, se esse verbo pode ter constrói e construi, por que não poderia ter duplo particípio, construído e constroído?

Eu havia construído a casa; eu havia ‘constroído’ a casa.

Vamos fechar o debate de hoje.

Duas palavras ou mais podem-se unir formando aglutinação (quando se fundem fonemas) ou justaposição (quando os termos não se alteram). Cabeça baixa. Cabisbaixo. Filho de algo. Fidalgo. Hidro elétrica. Hidrelétrica (hidroelétrica).

Um entidade que cuida de crianças, cujo corpo tenha alguma deficiência, pratica o tratamento chamado equoterapia, em que usa o cavalo (uma educação saudável). No caso, mostra-se a imagem de uma criança montada num pônei, ambos cuidados por um adulto, atividade que recebeu o nome de ‘pôneiterapia’.

O acento circunflexo deve permanecer no primeiro vocábulo?

Não; ademais, esse termo composto passou a ter nova sílaba tônica, a do segundo vocábulo, dispensando-se o sinal gráfico: poneiterapia. (Os vocábulos não perdem sua significação.)

Quando se referem a uma criança ‘num veículo’, dizem que há alguém a bordo, isto é, que ocupa esse meio de transporte. Um texto dizia haver mais de uma criança no veículo; que estavam ‘a bordos‘ fulano e sicrano. A expressão não varia: Um está a bordo, vários vêm a bordo.

A palavra alternativa significa ‘outro caminho, outro viés, outra saída’. Entre muitas definições, um dicionário diz assim: escolha entre duas possibilidades (esta é a alternativa que nos resta). Um comentarista alega que um cidadão deveria buscar saídas para solucionar um problema. E usou uma delas, mas não deu certo.

E agora? Ele diz que a pessoa teria que buscar ‘outras alternativas‘, e nem teria usado antes o termo ‘alternativa’. Esse vocábulo já tem em seu corpo o elemento ‘outro’ (alter), de maneira que o uso da expressão buscar outras alternativas é redundante.

Basta dizer ‘a busca de alternativas’.

Até mais ver, meu amigo.

João Carlos de Oliveira

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