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A frase dúbia. Seria uma figura de linguagem? Mais parece um vício, que entorta o garfo e não o percebemos?

Esta carreta corre que é uma barbaridade!

Se de fato estiver em alta velocidade, corre muito. Se estiver lenta, a frase é irônica, e não corre nada. No caso dessa explicação, toma-se a frase como uma figura de linguagem, a ironia.

Alguns dizem que a dubiedade, tradicionalmente, registra uma dúvida: não sei se vou, não sei se fico. Hora de lembrar o grande escritor e dramaturgo inglês William Shakespeare, que, na peça Hamlet, expressa em solilóquio (discurso de uma pessoa que fala consigo mesma): ‘To be or not to be, that is the question”, que se tornou, nos dias de hoje, um questionamento sobre a existência do ser humano. ‘Ser ou não ser, eis a questão’, em Inglês livre, virou introdução de textos de cunho filosófico.

A dubiedade, além de revelar a dúvida, deixa escapar uma ponta de dupla interpretação, ou a alternativa com uma encruzilhada. Não sabemos se o criminoso está vivo ou morto. Não podemos confirmar se a Política traz benefícios ou danos ao povo após tantos anos em que o Poder oscila. Se cresce, o povo que o levou aos píncaros da glória; se cai, o povo é que leva a culpa.

‘O assaltante invadiu o apartamento ensanguentado‘. Que frase é essa? O que quer dizer?

Se o meliante é o ferido, a frase, com essa escrita, é dúbia. A melhor redação seria: O assaltante, ensanguentado, invadiu o apartamento.

Se no apartamento havia sangue, seria melhor ter escrito: O assaltante invadiu o apartamento, que estava ensanguentado.

Frases dúbias são muitas, e a todo instante aparece uma. A dubiedade se caracteriza pela redação ambígua, em que um termo, por algum motivo, e muito mais pelo fato de estar na colocação incerta, gera a ambiguidade, ainda chamada anfibologia, outro termo que a Gramática Normativa usa.

Consultado o vocábulo ambiguidade, assim pode ser definido: caráter do que é ambíguo, duvidoso, incerto.

Pedro, está aqui a mãe de sua namorada a quem você procura. (Não se sabe se procura a mãe da namorada ou a moça.) A anfibologia está visível. Para uma possível clareza do sentido do enunciado, poderia assim ser reescrita: Pedro, está aqui a mãe de sua namorada, a quem você procura. (Mas ainda assim, pode haver o questionamento.)

Pedro, a mãe de sua namorada, a quem você procura, está aqui. (Agora, crê-se que ele procura a mãe da moça.)

Analisemos esta: Desse jeito, ele é um excelente goleiro! (Se houver imagem em que faz grande defesa, de fato, é muito bom; se a imagem, ao contrário, mostra que houve um frango, o goleiro não serve nem para atuar no futebol de várzea na hora do baba.)

O policial deteve o meliante em sua casa. Na casa de quem? Do detento ou de quem o deteve? Frases desse tipo ocorrem no dia dia.

Este exemplo popular segue o princípio da clareza na escrita? O menino e o primo levaram a sua bicicleta, Pedro.

A bicicleta é do menino, do primo ou de Pedro?

Nesse momento, para tirar a dúvida, alguém usaria o coloquial: O menino e o primo levaram suas bicicleta, Pedro.

Suas, como se vê, não segue a concordância gramatical correta; o plural do pronome, fugindo à regra, serviria para dizer a quem pertence a bicicleta, que seria de Pedro. Mas poderia ser a deles, dos dois meninos.

Isso pode? Sim ou não, a linguagem popular e coloquial lança mão de um princípio para dirimir dúvidas. Aqueles dois meninos levaram suas bicicleta, Pedro (a de Pedro). Ou diria: Os meninos levaram a bicicleta deles.

Pedro, o menino e o primo dele levaram a bicicleta de vocês. (Isto é, a bicicleta da família de Pedro.) O menino e seu primo levaram sua bicicleta, Pedro.

O carro caiu de uma ribanceira. Nesse caso, o carro já estava na ribanceira, e depois caiu de lá.

O carro caiu em uma ribanceira. Sim, o carro, que trafegava por uma estrada, despencou na ribanceira ao lado.

Vale observar, então, que ambas as frases a seguir estão corretas: Caiu de um barranco de 15 m de altura. Caiu em um barranco que tem 15 m de altura.

E o que querem dizer estas?

Itamaraju foi a cidade que choveu o maior volume d’água (teria dito um repórter sobre as chuvas torrenciais na caíram no Extremo-Sul da Bahia no final de 2021).

Itamaraju foi a cidade em que choveu o maior volume d’água. Necessário dizer O local em que trabalho; a casa em que moro; a rua em que (onde) passamos é esta.

A intenção do repórter seria dizer Itamaraju foi a cidade que sofreu o maior volume de água em poucas horas (nas chuvas torrenciais que causaram tragédia no Extremo-Sul da Bahia, no final do ano de 2021).

Fechemos este momento com frases anfibológicas. Ainda bem que a Internet traz um rol delas mostrando o lapso do escritor, e podendo ser reescritas para melhor esclarecimento.

Comprei meias para senhoras claras. (As meias é que são claras ou as senhoras? Justo que a intenção é falar das meias.) Comprei meias claras para aquelas senhoras, que estão aí fora à minha espera.

Uma frase antiga, usada com muita ironia, mas sem a intenção de ofender, diz que um cliente chega a uma loja e pergunta: “O senhor tem sombrinha para mulher de cabo torto?”. Isso seria ‘O senhor tem sombrinha de cabo torto? Quero comprar uma para minha esposa’.

Há algum tempo, deixei neste espaço a frase de uma cliente que meu pai citava (a frase ou a cliente?). Ele tinha uma loja de tecidos no hoje distrito de Cachoeira Grande, no município de Jacobina, Bahia. Havia uma senhora muito pechincheira, que dizia que meu pai era careiro, mas ambos eram amigos e negociavam. Havia chegado tecido novo, e a senhora apareceu. Pediu para ver peças e mais peças, e pechinchava, pechinchava até cansar. De repente, ela diz: “Seu Euclides, se o senhor baixar, eu tiro o vestido”, e ele se abaixou por atrás do balcão alto de madeira. E ela ria. “Se ele abaixasse o preço do tecido, ela compraria um corte para fazer um vestido novo”.

Depois dos sorrisos, fizeram um bom negócio.

O pai ama seu filho. Quem ama quem? O pai ama a seu filho. O filho ama a seu pai. (Agora, pode colocar os termos na ordem que quiser que não haverá dúvida.)

Abraços.

 

 

João Carlos de Oliveira

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