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O meliante fez a família ‘de’ refém. O assaltante fez a família ‘como’ refém. O criminoso fez a família ‘refém’

O cotidiano nos mostra fatos de violência; em muitos deles, ladrões, assaltantes e/ou arrombadores de residência deixam rastros de destruição, fazendo as pessoas ‘vítimas’, em vários aspectos.

O modo de alguém expressar essas notícias é que nos chama a atenção.

Fazer a pessoa ‘de’ refém, ‘como’ refém? Ou fazer a pessoa ‘refém’?

A reportagem costuma esclarecer o que aconteceu, permitindo ao leitor ou ouvinte que seja informado das ocorrências. O que ficaria a desejar seria certo trecho do texto cuja linguagem seria vaga ou conteria frase incompleta.

O verbo fazer, na maioria de seu uso, é transitivo direto, cujo complemento é objeto direto: João fez o trabalho. Mariana fez a comida. Pedro fez uma caridade. Todos nós devemos fazer o bem. (O objeto direto está sublinhado.)

Se após o complemento verbal acrescentarmos uma qualificação referente ao objeto direto, passamos a ter, como determina a análise sintática, um predicativo do objeto direto: Fizemo-lo um tolo.

Paulo julgou seu pai culpado. (Paulo, sujeito. Julgou seu pai culpado, predicado verbo-nominal. Julgou, verbo transitivo direto. Seu pai, objeto direto. Culpado, predicativo do objeto direto.)

Pode ocorrer que a frase tenha mais um termo em sua composição: Paulo julgou seu pai como culpado (como o culpado), mas isso não altera o aspecto semântico da mensagem nem mudaria a classificação sintática de ‘culpado’, que continua como predicativo do objeto direto. ‘Como’ tem, tão-somente, o mérito de enfatizar a qualificação dada ao objeto direto (um termo de realce ou expletivo).

Revistas as frases introdutórias, pode-se dizer que todas dão seu recado e que a última, por opinião própria, seria a mais clara, semântica, sintática e gramaticalmente, em vista dos termos da expressão anterior, analisados acima; que a segunda também dá o seu recado, que ‘serve’, mesmo que registre o vocábulo ‘como’, servindo de comparação, sem alterar o conteúdo e a mensagem; e que a primeira ‘pecaria’ em parte por conter a preposição ‘de’, no momento, vaga, solta ou não-obrigatória.

Comparando ‘Fez a família de refém’, teríamos a dizer que a frase ‘fez a família de tola’ carrega um tom pejorativo e, ao mesmo tempo, vemos que a expressão dialética ‘fazer alguém disso ou daquilo’ engloba várias conotações, e para a clareza de um texto não seria ideal usá-la.

Comumente, as pessoas conhecem bem a expressão ‘Ele se faz (de) desentendido’, como quem não vê, não sabe, não quer falar. Um grande fingidor. Fazer-se de tem o valor de fingir(-se).

E fazer, que ora analisamos, tem o valor semântico de ‘tornar, transformar’. O meliante tornou a família refém. O meliante transformou a família (em) refém.

Fez cárcere privado da família, encarcerou-a, privou-a de seu direito legal de ir e vir (roubando-lhe ainda, possivelmente, bens pessoais e materiais).

Logicamente, o redator do artigo não pensaria nessas nuances gramaticais, semânticas e sintáticas que aqui são apresentadas, e sua obrigação formal teria como fim informar, deixar claro o ocorrido, em contexto popular ou em linguagem culta.

Como opinião, fazer a família como refém ou fazer a família refém seriam as duas formas mais usadas para esse tipo de artigo narrativo, e a última, a mais adequada, salvo melhor juízo.

Fez-se de bobo. Fez-se de sonsa. Fizemos ‘ele’ de palhaço. Fizemo-lo de tabaréu. Fizemo-nos de inocentes para descobrirmos quem praticou o crime.

Há um dito popular que diz ‘O homem faz a mulher, e a mulher faz o homem’. Nesse contexto, poderíamos introduzir um adjetivo ou qualificativo: O homem faz a mulher grandiosa, e a mulher faz o homem grandioso.

Há frases interessantes com o verbo fazer, até folclóricas e regionais:

Fazer colher de pau e bordar o cabo, isto é, não ter o que fazer. Fazer das tripas coração (usar todas as forças para vencer a batalha; fazer das fraquezas forças para vencer o obstáculo).

O verbo fazer é riquíssimo em seus vários sentidos; não teria menos que 50 significados curiosos, portanto, um verbo polissêmico. Em certa região, pode-se ouvir isto: O pescador faz mupunga (muponga?; bate com a vara na direção desejada e faz o peixe cair na rede).

Faz-se de burro para poder comer seu capim diário (finge-se desentendido de ofensas e sofrimentos, com o intuito de viver em paz com alguém).

Repetimos, então, que o comentário se pauta nas expressões ‘fez a família de refém, fez a família como refém, fez a família refém’, costumeiramente, usadas em manchete policial, tratando da violência.

Qual seria a melhor? A escolha é sua, e este comentarista escolhe a última.

Se você não tiver costume de usar o predicativo do objeto direto ou o predicativo do sujeito, basta praticar o hábito de acrescentar um termo qualificativo, ao objeto ou ao sujeito.

O jovem saiu para o trabalho (predicado verbal). O jovem saiu apressado para o trabalho (predicado verbo-nominal, com o predicativo do sujeito, apressado, que foi acrescentado). Curioso observar que o predicativo pode ficar no final da frase, sem prejudicar o sentido, pois não seria cabível entender que o trabalho estivesse ‘apressado’. O jovem saiu para o trabalho apressado.

Encontrei-o (pv). Encontrei-o ferido (pvn). Ferido, predicativo do objeto direto.

Ela chegou agora. Ela chegou agora aborrecida. (Predicativo do sujeito.)

Viajamos para a França. Viajamos para a França acompanhados. (Predicativo do sujeito.)

 

Fiquemos por aqui.

Para fechar, três dizeres que se destacam:

Ditado popular: “Dinheiro que é bom não tem, não, mas ousadia.” Não vemos nenhum mérito nessa expressão; não ensina, não compara para o lado do bem, não adverte. Irônica, insinua que pessoas teriam um hábito e poderiam ter outro melhor. A frase teria a grandeza de dizer que quem tem dinheiro, teria a liberdade de dizer, de praticar ‘ousadias’?

Provérbio árabe, de grande profundidade, que merece nossa atenção: “Quem estuda e não pratica o que aprendeu, é como o homem que lavra e não semeia.” Colhe o que não semeou? Deixa de colher por que não semeia?

Frase de Aucenir Gouveia, político e poeta brasileiro, que fica sem comentário; cada qual tire suas conclusões: “A ilusão tem o poder de transformar pessoas e mentiras em verdades, mas assim como o Sol e a Lua têm seu tempo debaixo dos Céus, a ilusão também tem o seu.”

Abraços. Até mais ver.

João Carlos de Oliveira

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